Dito e ouvido em Goiânia

Jornalistas, cientistas e visitantes assíduos da Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) foram uníssonos ao afirmar, ainda nos corredores da Universidade Federal de Goiás (UFG), em Goiânia, que há muito tempo o evento não tinha um caráter tão político quanto o deste ano – seja ao tratar de discussões que acontecem no Congresso, seja ao debater as questões que mobilizam cientistas nas universidades e centros de pesquisa do país.

Basta verificar retroativamente a nossa cobertura do evento para entender a constatação: houve exposições sobre o novo Código Florestal, a usina hidrelétrica de Belo Monte, a ética em pesquisa com seres humanos, a indústria farmacêutica brasileira, o novo Plano Nacional de Educação, o plágio na ciência e por aí vai.

Abaixo, segue uma compilação das melhores frases, tiradas e até piadas de participantes da 63ª Reunião Anual da SBPC. Nem todas as falas tratam diretamente de política, mas, por meio delas, é possível notar que boa parte dos mais de 8 mil que estiveram presentes ao evento de Goiânia teve a possibilidade de ganhar alicerces mais sólidos para pensar e repensar a política científica do país.

E aguardem, pois ano que vem é a vez de São Luís, capital do Maranhão, receber a reunião. Naturalmente, estaremos por lá.

O que foi dito na 63ª Reunião Anual da SBPC

 

“A Aneel [Agência Nacional de Energia Elétrica] deveria se chamar Agência dos Negócios de Energia Elétrica.” Arsenio Oswaldo Sevá Filho, engenheiro mecânico da Universidade Estadual de Campinas, sobre a prática de regulação de instrumentos estatais por grandes empresas de energia elétrica.

 

“Na medida em que nós utilizarmos a energia nuclear para melhorar a qualidade de vida das populações, diminuímos a probabilidade do seu uso bélico, pois não vai haver motivo para confrontos.” Odilon Marcuzzo, presidente da Seção Latino-Americana da Sociedade Americana de Energia Nuclear, em fala sobre o acidente nuclear de Fukushima.

 

“A cracolândia é um desrespeito à condição humana. Se fossem tuberculosos ou aidéticos, eles seriam levados para um tratamento digno.” Ronaldo Laranjeira, professor de psiquiatria da Universidade Federal de São Paulo, em palestra sobre os efeitos da dependência do crack.

 

“No Japão, quando soa um alarme de terremoto, o japonês segue os procedimentos que lhe foram passados porque ele sabe que existe ciência por trás daquilo. Aqui no Brasil, só aquela tiazinha medrosa vai seguir os procedimentos.” Francisco de Assis Dourado da Silva, geólogo da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, em exposição sobre prevenção de catástrofes ambientais.

 

“Os socialistas, os trabalhistas, os comunistas todos votaram a favor da reforma do Código Florestal. Será que os deputados foram enganados? Eu não quero acreditar nisso, o sujeito para chegar a deputado federal não é qualquer um, esses caras não foram ludibriados.” Sebastião Valverde, engenheiro florestal da Universidade Federal de Viçosa, em debate sobre o Código Florestal.

 

“Quem deu o nome de ‘Gavião’ foram os estudiosos que estudam a gente. Não sei por que deram esse nome, tem que perguntar aos antropólogos que estão aqui!” Jonas Polino Gavião, aluno de licenciatura intercultural da Universidade Federal de Goiás e membro da etnia Gavião, em encontro sobre sociedades indígenas e cerrado.

 

“Mal estudávamos o mosquito antigamente. O vetor era apenas uma seringa voadora que picava e transmitia a doença.” Manoel Barral Netto, médico e pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz, sobre o desenvolvimento das pesquisas com doenças negligenciadas, como a malária e a leishmaniose.

 

“Um médico, professor universitário, que fala e milita nessa questão é largamente discriminado por seus pares. Infelizmente, os médicos, em geral, confundem a discussão do aborto com ter uma clínica e ganhar dinheiro com aborto clandestino. Esta é uma forma de carimbar de maneira discriminatória o indivíduo que lida com essa questão. A resposta que eu sempre dou é extremamente simples: se eu porventura ganhasse dinheiro com aborto clandestino, eu jamais iria batalhar para legalizá-lo, porque, se eu vivo da ilegalidade, não vou dar tiro no meu próprio pé.” Thomaz Gollop, médico, geneticista e professor da Universidade de São Paulo, em conferência sobre ‘Anencefalia e o Supremo Tribunal Federal’.

 

“Às vezes o governo terá de se valer da lei. Então não adianta falar que a gente vai ouvir a população ribeirinha. É enrolação. Não vai. Em determinado momento o governo tem de tomar a decisão e nem sempre a decisão é simpática. Se não sair pelo bem, vai sair pelo Direito.” José Ailton de Lima, diretor de engenharia e construção da Chesf, estatal que detém 15% das ações da Norte Energia, consórcio responsável pela construção da hidrelétrica de Belo Monte, em fala sobre a retirada da população que vive no entorno do rio Xingu, lugar em que a usina deverá ser construída.

 

“No Brasil, temos uma tolerância enorme para viver com doenças mentais. Quando veem uma mendiga se banhando no rio Tietê, acham graça; quando uma pessoa idosa começa a esquecer coisas, acham normal.” Leonardo Caixeta, psiquiatra da Universidade Federal de Goiás, em mesa-redonda sobre doenças mentais negligenciadas.

 

“Hoje, há os ‘militantes internautas ocasionais’, que escolhem sobre o que protestar ‘sem custos’ e de modo à la carte, sem muita responsabilidade.” Marcus Abílio Pereira, cientista social da Universidade Federal de Minas Gerais, em mesa sobre ‘redes sociais e cidadania’.

 

“O país pode se declarar civilizado a partir do momento em que a educação deixa de ser um problema de oferta e passa a ser um problema de demanda.” Fernando Haddad, ministro da Educação, em conferência sobre o Plano Nacional de Educação.

Confira a cobertura completa da 63ª Reunião Anual da SBPC e a galeria de imagens do evento.