Do que é feita a política brasileira

Decifrar os mistérios da política brasileira pode parecer assustador. E é: a a maior parte da população não sabe diferenciar as funções e incumbências de senadores, deputados federais e estaduais. A divulgação restrita das atividades dos parlamentares e governantes contribui para a despolitização da sociedade e para aumentar a distância entre a população e seus representantes.

Um livro recém-lançado traz uma contribuição importante para humanizar a esfinge em que se transformou a política brasileira. O sistema político brasileiro: uma introdução esmiúça, em 22 artigos distribuídos em 416 páginas, as engrenagens do poder público. Com contribuição de diversos autores, a obra mostra as trilhas percorridas que contribuíram para gerar a lenta e burocrática máquina pública brasileira, do estabelecimento do primeiro sistema administrativo até os dias atuais.

O Executivo, Judiciário e Legislativo são destrinchados ao longo do livro, que não se divide de forma rígida entre os três poderes, mas pontua ao longo dos capítulos aspectos importantes para seu funcionamento isolado e a relação entre eles.

O livro é organizado por Lúcia Avelar, diretora do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília (UnB) e Antônio Octávio Cintra, consultor legislativo da Câmara dos Deputados. Eles fazem questão de ir além de apresentar didaticamente os três poderes e adicionam textos que explicam a origem, o funcionamento e o porquê da adoção do regime presidencialista e do federalismo.

Em capítulo dedicado à estrutura partidária, David Fleischer, professor da UnB, detalha a atual conjuntura e conta um pouco da história da formação da democracia. Fleischer mostra o conturbado caminho percorrido do sistema bipartidário do Brasil imperial até o pluripartidarismo atual, passando pelas ditaduras que se instalaram ao longo desse tempo e alteraram o quadro político-partidário.

Instalação da Assembléia Nacional Constituinte por Ulysses Guimarães

O artigo de Fleischer se insere em uma parte dedicada à relação entre Estado e sociedade, formada também por textos que denunciam o sistema político que privilegia as elites e outros que situam instituições como sindicatos, Igreja e as Forças Armadas no panorama histórico-político-social brasileiro. Talvez estejam nesse trecho os capítulos mais interessantes do livro, onde o leitor vai descobrir a história das constituintes, o funcionamento da Câmara dos Deputados e outras importantes informações mascaradas por anos de exclusão política das camadas menos favorecidas da sociedade.

A história política internacional é também citada para explicar como adaptações mal-feitas de sistemas político-administrativos de outros países foram fatais para a organização nacional durante a colônia, o Império e a República.

Há ainda um capítulo inteiramente dedicado à kafkiana burocracia que acompanha as instituições públicas do Brasil desde o início da República. Com base na obra do alemão Max Weber (1864-1920), Antônio Augusto Pereira Prates, pesquisador da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), explica práticas que dificultam seriamente as relações entre a sociedade civil e o aparato administrativo público.

Todos os capítulos vêm com sugestões de leitura para quem deseja se aprofundar nos temas abordados. Mas aqueles que quiserem apenas um panorama geral da história política brasileira e de como ela influencia a construção e o futuro da democracia do país estão bem servidos pela leitura do livro. 

Sistema político brasileiro: uma introdução
Lúcia Avelar e Antônio Octávio Cintra (org.)
Rio de Janeiro, 2004, Fundação Konrad-Adenauer Stiftung
(fone: 21 2220-5441)
e São Paulo, 2004, Editora Unesp (fone: 11 3242-7171)
416 páginas – R$ 50

Aline Gatto Boueri
Ciência Hoje On-line
08/12/04