Do soldado-trabalhador ao consumidor-rei

Coragem e força, ousadia e lealdade, sagacidade e invulnerabilidade. A partir de características associadas tradicionalmente à figura masculina, A construção social da masculinidade , de Pedro Paulo de Oliveira, analisa a transição do ideal de homem em realidades históricas diversas. Para isso, o autor – que é professor do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj) – leva em consideração as transformações sócio-culturais que dividiram a história em eras e determinaram, em cada uma delas, diferentes concepções de masculinidade.

A viagem começa no século 18, quando esse termo passou a ser utilizado e a imagem de guerreiro medieval destacava-se como modelo de dignidade e honra. Na época, era a esse homem, defensor ao mesmo tempo da pátria e do lar, que se destinavam os grandes méritos. Com a transição da sociedade medieval para a moderna, porém, outras características – como competência, responsabilidade e autocontrole – foram associadas à figura masculina e exigidas rigorosamente como garantia de um homem justo e honesto.

A obra discute como características vinculadas ao modelo de guerreiro foram preservadas ou reformuladas pelo aburguesamento da sociedade e analisa como o modelo soldado-trabalhador, formado a partir da emergência dos valores burgueses, surgiu no século 18 e sustentou-se até meados do século 20 – quando as novas ideologias produzidas na pós-modernidade voltaram a transformar o conceito. Dentre essas alterações, Oliveira destaca a valorização do trabalho, a contenção das expressões de sentimento e o deslocamento delas do espaço público para o privado.

A partir desses novos valores, então, um outro modelo foi produzido. Definido pelo autor como “consumidor-rei”, ele é fruto das constantes readaptações exigidas pelo capitalismo, em que a liberdade se reduz à opção de consumo. A flexibilização de identidades e relacionamentos repercutiu diretamente sobre o conceito de masculinidade e o feminismo e o movimento gay passaram a questionar a hegemonia do gênero masculino – que passou a ser vista como uma dominação arbitrária e não mais de forma natural.

O livro é uma versão modificada da tese de doutorado do autor, defendida em 2002 no Departamento de Sociologia da Universidade de São Paulo (USP) e conta por isso com um vocabulário denso e repleto de termos técnicos sociológicos. O assunto é tratado em toda sua complexidade, com a vasta abrangência que um mapeamento detalhado impõe. A retórica do autor, carregada de metáforas e adjetivos, períodos muito longos com diversos apostos e inversões, dá à obra o caráter de livro de estudo que exige, por isso, paciência e reflexão.

A construção social da masculinidade
Pedro Paulo de Oliveira 
Belo Horizonte, Editora UFMG (fone: 31 3499-4650)
e Rio de Janeiro, Iuperj (fone: 21 2537-8020), 2004.
347 páginas ‐ R$38,00

Isabel Levy
Ciência Hoje On-line
29/12/04