Dominadores de partículas

O gato de Schrödinger talvez seja o experimento mental mais conhecido para explicar um fenômeno da física quântica. Proposto pelo físico austríaco Erwin Schrödinger (1887-1961) em 1935, sugere que um gato colocado dentro de uma caixa lacrada, junto com um frasco de veneno que se quebra aleatoriamente, está vivo e morto ao mesmo tempo. Quando se abre a caixa, no entanto, encontra-se o animal apenas vivo ou morto – não mais nas duas condições simultaneamente.

Nessa analogia, pode-se dizer que o francês Serge Haroche e o norte-americano David J. Wineland descobriram maneiras de enxergar o gato morto-vivo, algo que antes se supunha impossível. Por seus trabalhos, desenvolvidos entre as décadas de 1980 e 1990, são os ganhadores do prêmio Nobel de Física de 2012.

É claro que ambos não trabalharam com animais dentro de caixas. O universo deles é o da física quântica, em que as leis são tão bizarras para quem está acostumado com o mundo clássico quanto o experimento do gato de Schrödinger.

Um exemplo dessa bizarrice é o fato de que partículas quânticas podem estar em vários estados diferentes simultaneamente. E observar isso era impossível antes de Haroche e Wineland, porque, quando cientistas isolavam uma partícula de seu sistema original, as propriedades quânticas se perdiam.

Utilizando diferentes métodos, os grupos de pesquisa de Haroche e Wineland conseguiram analisar, controlar e contar partículas de luz e de matéria sem interferir em seu estado quântico natural.

Nobel 2012
Ilustração mostra a técnica usada por Wineland para estudar íons individualmente. Depois de capturar as partículas em uma armadilha formada por campo elétrico, o pesquisador lançou mão de pulsos de raio laser para reduzir seu estado de energia e controlá-las. (imagem: Fundação Nobel)

O norte-americano, pesquisador da Universidade do Colorado em Boulder, prendeu íons (átomos eletricamente carregados) em uma espécie de ‘armadilha’ cercada por campos elétricos. A grande novidade do trabalho do pesquisador foi usar pulsos de raio laser, que colocam o íon em seu mais baixo estado de energia. Isso permite que fenômenos quânticos sejam estudados na partícula aprisionada.

Já o francês, da Escola Normal Superior de Paris, fez o inverso: aprisionou fótons e os estudou com o uso de átomos. Em sua técnica, fótons de micro-ondas são mantidos saltando para frente e para trás dentro de uma pequena cavidade entre dois espelhos.

Esses espelhos refletem tão bem, que um único fóton permanece aprisionado por mais de um décimo de segundo antes de desaparecer. O tempo, apesar de parecer insignificante, é suficiente para fazer vários tipos de manipulações com a partícula sem destruí-la.

Colaboração brasileira

Entre os vários colaboradores que passaram pela equipe de Haroche nas pesquisas em óptica quântica, está um brasileiro. O físico carioca Luiz Davidovich, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, participou diretamente de vários experimentos realizados pelo francês, como o do fenômeno da teleportação quântica e o da investigação experimental do paradoxo do gato de Schrödinger.

Davidovich: “Sabia que o Serge era um candidato forte a ganhar o Nobel”

“Por trás do trabalho do Serge [Haroche] há a ideia de entender e mostrar as particularidades do mundo quântico”, disse Davidovich em entrevista à CH On-line. “As pesquisas de Wineland estão mais voltadas para a construção do computador quântico”, contou o brasileiro, que já esteve também com o norte-americano, da última vez em fevereiro passado na cidade de Albuquerque, no Novo México.

O nome de Davidovich, amigo de Haroche desde que começaram a trabalhar juntos, na década de 1980, está citado no material de contextualização científica distribuído pela Fundação Nobel.

“Sabia que o Serge era um candidato forte a ganhar o Nobel”, disse Davidovich. O carioca, que ligou para parabenizar Haroche logo após o anúncio do prêmio, já faz planos de viajar para a França ainda este ano para comemorar o Nobel com o amigo e os demais pesquisadores do grupo.

Aprisionamento de fótons
No esquema, método criado por Haroche para controlar fótons aprisionados em uma cavidade entre espelhos. Com o uso de átomos de Rydberg, é possível estudar o fóton antes que ele desapareça. (imagem: Fundação Nobel)

Os dois físicos laureados neste ano nasceram em 1944. Embora seja cidadão francês, Haroche nasceu em Casablanca, no Marrocos – na época, o país africano ainda era colônia da França. É a primeira pessoa nascida em território marroquino a ganhar um prêmio Nobel.

Aplicações

A computação quântica é a aplicação mais promissora das descobertas dos laureados deste ano. “O computador quântico poderá mudar nossa vida cotidiana neste século da mesma maneira que o computador clássico fez no século passado”, afirmam assessores da Fundação Nobel no texto de divulgação do prêmio.

“Ainda estamos muito longe de um computador quântico útil, mas acredito que somos muitos os que acreditamos em sua aparição no longo prazo”, declarou Wineland em entrevista por telefone ao site do Nobel.

“O computador quântico poderá mudar nossa vida cotidiana neste século da mesma maneira que o computador clássico fez no século passado”

A manipulação de partículas quânticas individuais permite também a construção de relógios extremamente precisos, que podem futuramente se tornar a base de um novo padrão de medida de tempo, muito mais preciso que os atuais relógios de césio.

Outro campo que se destaca é o da transmissão de informações, que se beneficia com sistemas de criptografia quântica. Em 2007, o governo suíço usou a tecnologia para proteger urnas eletrônicas usadas na região de Genebra durante as eleições parlamentares. “Devido às propriedades quânticas, se alguém tenta interceptar uma transmissão que utilize essa criptografia, imediatamente fica-se sabendo”, explicou Luiz Davidovich.

Célio Yano
Ciência Hoje On-line/ PR