O sexo feminino fez muito pelo desenvolvimento das ciências, apesar da discriminação que muitas mulheres enfrentaram ao se aventurar pelos diversos campos do conhecimento. Um livro recém-lançado no Brasil resgata parte dessa história ao apresentar as principais mulheres que influenciaram, muitas vezes de forma revolucionária, a prática médica.
Escrito pela francesa Josette Dall’Ava-Santucci, professora da Faculdade de Medicina de Cochin-Port-Royal e ex-presidente da Associação Francesa das Médicas, Mulheres e médicas reúne histórias de mulheres que desafiaram as dificuldades impostas pela sociedade e conseguiram estudar e exercer a medicina.
A mais notável delas é a química franco-polonesa Marie Curie (1867-1934) que, apesar de não ser médica, fez grandes contribuições com seus estudos sobre a radioatividade de alguns elementos químicos, de grande utilidade para a medicina, que lhe renderam dois prêmios Nobel, em 1903 e 1911. Outra história interessante é a do oficial-médico do exército britânico James Barry (1795-1865), condecorado pelo trabalho realizado na batalha de Waterloo. Quando esse “médico” morreu, descobriu-se que se tratava na verdade de uma mulher, supostamente chamada Miranda.
Mulheres e médicas aborda as contribuições científicas feitas desde a Antigüidade até os dias atuais. Desde o Império Romano, com a médica Metrodora, que escreveu nos primeiros séculos da era cristã um tratado sobre doenças do útero, até as mulheres que lutaram pela abertura da universidade para o sexo feminino no século 19, passando pelas parteiras e feiticeiras da Idade Média, a autora traça um panorama extenso da participação feminina na medicina.
Segundo Santucci, a participação das mulheres na medicina conheceu um longo período de ostracismo, com cerca de 700 anos, durante a Idade Média. As mulheres da nobreza – as únicas com condições de estudar – foram então levadas a valorizar sua beleza e seu poder de sedução, e poucas se preocupam com o aprimoramento intelectual. Ainda assim, houve nesse período contribuições importantes, principalmente na obstetrícia e na ginecologia – como a da italiana Trotula di Ruggiero, que escreveu no século 11 um tratado muito famoso sobre as doenças anteriores e posteriores ao parto.
A autora relata ainda as lutas empreendidas em diversos países no século 19 para que o sexo feminino tivesse acesso à instrução – a despeito da oposição dos médicos homens, que alegavam a “inferioridade física, moral e intelectual das mulheres” para mantê-las afastadas dos centros de ensino médico. Nos Estados Unidos, foi preciso que um grupo de “senhoritas” patrocinasse a Universidade Johns Hopkins para que moças fossem aceitas. Na França, os médicos queriam impedir de qualquer maneira que elas trabalhassem em hospitais; mesmo assim elas acabaram conquistando esse direito.
Ao fim do livro, Santucci aborda a participação das mulheres nas duas guerras mundiais, já no século 20. Para ela, esses episódios marcaram de forma definitiva a conquista de espaço no meio médico pelas mulheres. Primeiramente como enfermeiras, depois como médicas reconhecidas, elas passaram a ocupar o lugar dos homens, tanto fora dos campos de batalhas quanto nos próprios hospitais dos exércitos. A partir daí, a capacidade feminina de exercer a medicina deixou de ser contestada como antes.
Mulheres e médicas traça um interessante resumo da história da medicina para mostrar como o sexo feminino atuou em seu desenvolvimento. No entanto, a obra indica que ainda estamos longe da igualdade plena entre os sexos: Santucci aponta na conclusão uma série de obstáculos para que esse ideal seja atingido – um dos fatores mais importantes citados por ela é a dedicação à família, que ainda é vista como uma prerrogativa feminina e que já fez muitas mulheres largarem os estudos.
Mulheres e médicas – as pioneiras da medicina
Josette Dall’Alva Santucci
Rio de Janeiro, 2005, Ediouro
Fone: (21) 3882-8416
248 páginas – R$ 39,90
Franciane Lovati
Especial para CH On-line
08/03/2006