Cinqüenta anos após a descrição por James Watson e Francis Crick da estrutura em dupla hélice da molécula de DNA, o número de citações em revistas científicas do artigo da dupla é maior do que nunca. Mas se a ciência consiste essencialmente em descobrir mecanismos da natureza e elaborar novos conceitos, por que antigas descobertas científicas ainda merecem tanta atenção? É o que Bruno Strasser, do Instituto de História da Medicina e Saúde da Universidade de Genebra (Suíça), tenta explicar em um artigo publicado na revista Nature de 24 de abril.
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Número de citações anuais do artigo de 25 abril de 1953 de
Watson e Crick em periódicos científicos de língua inglesa.
Fonte: ISI Science Citation Index / Bruno Strasser / Nature
Ao contrário do que muitos pensam, o modelo da dupla hélice não foi um sucesso imediato no meio científico. Somente quando o papel do DNA na síntese de proteínas foi esclarecido, no final dos anos 1950, os cientistas passaram a ter interesse pela sua estrutura. Em 1962, Watson e Crick ganharam o prêmio Nobel e seu trabalho recebeu atenção crescente do meio acadêmico no ano seguinte, o que coincidiu com o aniversário de dez anos da descoberta. Depois disso, seguindo um padrão típico, o número de citações caiu gradativamente.
Mas algo mudou a partir do começo da década de 1990. O artigo de Watson e Crick passou a ser cada vez mais citado. E o ano de 2003 promete um recorde: até 30 de março, 40 artigos já haviam mencionado o modelo original da dupla hélice. Segundo Strasser, citar o trabalho de 1953 contribui para a construção de uma memória coletiva.
Episódios da história da ciência cristalizados na memória coletiva podem ser usados para justificar e ilustrar certos métodos e práticas de pesquisa. A descoberta da penicilina, por exemplo, pela qual Alexander Fleming recebeu um Nobel em 1945, promoveu uma nova visão sobre terapia e um novo modo de conduzir a pesquisa terapêutica. Um artigo clássico de 1949 de Linus Pauling sobre anemia falciforme é citado até hoje para legitimar a terapia gênica. “Nesse sentido, não apenas a história é transformada em memória; a memória faz a história. A memória coletiva liga o passado ao futuro”, diz Strasser.
A chave para entender o interesse renovado pela dupla hélice desde o final do século 20 é o Projeto Genoma Humano, iniciado em 1990. Foi ele que colocou a estrutura do DNA no centro das atenções, como nunca havia estado antes. Segundo Strasser, os participantes do novo projeto o comparam deliberadamente à descoberta da dupla hélice. Essa associação conteria os críticos e aumentaria a importância da empreitada, além de fazer o seqüenciamento descritivo do genoma parecer menos tedioso.
“A dupla hélice foi o marco de um tempo de inocência, quando juventude, inteligência e autoconfiança eram suficientes para realizar grandes descobertas”, afirma Strasser em seu artigo. “Para muitos, Watson e Crick não só produziram um modelo de DNA, mas também um modelo de prática científica, na qual criatividade e evidências consistentes levam à construção de conhecimento.”
Adriana Melo
Ciência Hoje On-line
25/04/03