Educação como demanda

O momento é de expectativa. O Plano Nacional de Educação (PNE) tramita atualmente na Câmara dos Deputados e, se não houver percalços, até novembro deve ser sancionado.

Depois de quatro conferências nacionais e diversas consultas à comunidade acadêmica e à sociedade civil organizada, finalmente um dos mais ousados planos para a educação poderá ser posto em prática.

PNE será posto em prática e em xeque

Não só posto em prática, é verdade, mas posto em xeque. Apesar de ser um dos ministérios mais celebrados do governo – até mesmo pela oposição –, o Ministério da Educação agora tem de lidar com uma ansiedade geral.

É natural, diante da importância que a agenda educacional tem para o país.

O ministro da Educação, Fernando Haddad, esteve na quinta-feira (14/7) na 63ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). Em meio à exigente plateia do evento, que não poupou alguns palestrantes de vaias durante a semana, o ministro parece ter se saído bem. Aplaudido em diversos momentos, foi festejado pela presidente da SBPC, Helena Nader.

Mesmo ‘jogando em casa’, Haddad não se furtou a falar de polêmicas recentes, como o projeto de lei em pauta de votação no Senado que desobriga universidades particulares a contratar professores com mestrado ou doutorado. “Esse projeto de lei vai na contramão do que propõe o PNE”, disse Haddad.

O ministro, aliás, falou longamente sobre o Plano Nacional de Educação. Tratou das 20 metas “que cabem num cartaz” e da importância do cumprimento daquilo que está no documento até 2020: “Não podemos frustrar a sociedade”. Sobre a condição do ensino no Brasil, Haddad defendeu: “A educação deve ser um problema de demanda, e não de oferta”.

Abaixo, leia os principais momentos da apresentação do ministro da Educação.

Metas que cabem num cartaz

“O PNE tem a pretensão de mobilizar a sociedade”

“O PNE tem a pretensão de mobilizar a sociedade. Por isso, escolhemos um formato que permite a cada cidadão do país acompanhar a evolução das metas estabelecidas. Procuramos cumprir o ciclo educacional, da creche até a pós-graduação, sem pular nenhuma etapa. Queremos fazer isso com apenas 20 metas.

“Não é um número pequeno, mas se o compararmos com as 276 metas do plano 2001 – 2010 [plano criado durante o segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso], veremos uma oportunidade de proporcionar às famílias brasileiras um conjunto de metas que cabem num cartaz. Num cartaz que vai ser afixado nas universidades, nas escolas, nos hospitais, nas praças, nos lugares públicos.

“É um conjunto de metas que podem ser decoradas, memorizadas pelos pais e pelas mães do país.”

Educação básica e monitoramento

“Em primeiro lugar, é importante medir e acompanhar a proficiência das crianças em disciplinas básicas. A ciência educacional criou tecnologias que nos permitem promover esse acompanhamento. Ciências, leitura e matemática são dimensões da educação que podem ser acompanhadas, monitoradas, para garantir que toda criança tenha uma expectativa de aprendizado satisfeita com a escola, independentemente da classe social a que pertence.”

Corpo docente

“Sobre a educação básica, há uma novidade importante: a mudança de regime da Capes [Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior]. A Capes não está mais orientada apenas para a formação de profissionais ‘do nível superior para o nível superior’. Hoje, a instituição tem outra missão: a formação de recursos humanos de nível superior para toda a educação – a básica e a superior.” 

Pibid: “Uma das coisas mais importantes do país”

“O Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência [que concede bolsas de iniciação à docência para alunos de cursos de licenciatura], o Pibid, é uma das coisas mais importantes desse país. É a oportunidade de aproximar as universidades, os institutos e as faculdades de educação da realidade da escola pública, para que a escola pública se transforme e para que as instituições formadoras também se transformem. É a chance, também, de as universidades atenderem às expectativas do perfil almejado pelas escolas. Ao mesmo tempo, as escolas podem levar a sua experiência para as instituições formadoras.”

Professores sem licenciatura

“Outro plano importantíssimo da Capes presente no PNE é o Plano Nacional de Formação de Professores da Educação Básica, o Parfor. Temos um contingente de profissionais na escola pública que ainda não foi à universidade. E o Parfor dá a todo professor o direito de frequentar uma instituição de ensino superior para garantir a sua primeira licenciatura, ou garantir uma segunda licenciatura, caso ele atue numa área diferente da sua formação original.”

Mestrado profissional

“Não tem cabimento, em pleno século 21, imaginar que um professor que conclui a sua licenciatura encerra a sua formação”

“Outro programa, este sim ainda muito incipiente, é o mestrado profissional para área de educação, sobretudo voltado para o ensino de matemática, história, física, geografia e química. A determinação do MEC é que a Capes inclua no seu programa de pós o mestrado direcionado a professores de escola pública. Não tem cabimento, em pleno século 21, imaginar que um professor que conclui a sua licenciatura encerra a sua formação.”

Fim da exigência de mestrado ou doutorado?

“Hoje temos 56% dos professores de educação superior com titulação de mestre, doutor. Traçamos uma meta no PNE para que 75% do magistério superior sejam de mestres ou doutores. E esse projeto de lei [que quer autorizar faculdades privadas a contratar professores sem mestrado ou doutorado] vai na contramão do que propõe o PNE.

“É óbvio que o MEC entende que há espaço para que profissionais com experiência ministrem aulas em universidades ou instituições federais, não há dúvida que há, mas não pode ser regra, isso tem que ser exceção – existem desembargadores, muitas vezes não titulados, que podem levar sua experiência profissional para o curso de direito. Existem médicos não titulados que podem levar sua experiência profissional para um curso de medicina. Não resta dúvida de que há espaço para isso. Há algum espaço para isso.

“Mas o caminho da qualificação é a exigência de titulação cada vez mais elevada. E o esforço previsto é para colocar o Brasil em pé de igualdade com os países da OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico). Sempre miramos os países da OCDE.”

Credibilidade

“Não queremos um plano que vai frustrar a sociedade, queremos um plano que vai honrar a sociedade”

“Não queremos um plano que vai frustrar a sociedade, queremos um plano que vai honrar a sociedade. Tivemos muita cautela em estabelecer uma dinâmica dentro do plano que garanta a sua execução fiel. Se chegarmos em 2020 com metade das metas não cumpridas, o próprio documento vai perder credibilidade perante a sociedade.”

Remuneração

“O professorado brasileiro ganha 60% do que ganha a média dos profissionais de ensino superior no país. Ou seja, é um salário que não sinaliza positivamente. Então fixamos uma meta que equaliza o salário médio do professor e a média salarial dos demais profissionais com a mesma escolaridade.”

Dívida com a educação

“Começamos muito tardiamente a pagar a dívida com a educação. Enquanto os países desenvolvidos – alguns no século 19, outros mais tardiamente, no pós-guerra – iniciaram uma transformação aguda no seu sistema de ensino, o Brasil só muito recentemente colocou a educação na agenda de prioridade. Temos que reconhecer que estamos largando atrasados, portanto temos que fazer um esforço adicional para ir em busca desse tempo perdido. É um esforço valioso em plena era do conhecimento.”

Última oportunidade

“Temos a oportunidade única, talvez a última. Este país perdeu o século 20. Se insistirmos no erro e porventura abortarmos aquilo que está sendo promovido, não teremos perdão dos deuses, seremos punidos.

“Não adianta pensar em comércio exterior, integração latino-americana, não adianta pensar em nada disso se não avançarmos em ciência e tecnologia, e a educação desde a base é fundamental para o progresso científico e tecnológico do país.”

Ciclo único

“Ou pensamos no ciclo [educacional] como um todo, como um conjunto, e reforçamos o caixa da educação para honrar esses compromissos, ou vamos sucumbir à falta de cérebros no nosso país. Não há outro caminho, é com a ciência que vamos fazer isso. Temos que nos afastar dessas clivagens que separam a educação básica da superior. É um ciclo só, é um sistema só – e ele tem que funcionar ao longo da vida de cada indivíduo. Cada indivíduo tem direito a um passo a mais neste ciclo.”

País civilizado

“O país pode se declarar civilizado a partir do momento em que a educação deixa de ser um problema de oferta e passa a ser um problema de demanda. Quando estiver garantido a todos o direito de estudar, independentemente do estágio em que se encontram, estaremos civilizando o país – aí vamos depender apenas do esforço individual de cada um.”

Thiago Camelo

Ciência Hoje On-line

Acompanhe a cobertura completa da 63ª Reunião Anual da SBPC e confira a galeria de imagens do evento.