Educação legendada

O movimento de ‘cursos abertos’ é conhecido no mundo. Com as facilidades digitais e de plataformas na internet que suportam vídeos com horas de duração, basta ter uma câmera e alguma boa vontade para gravar um curso inteiro – seja uma aula introdutória de álgebra, em Stanford, ou literatura estadunidense, em Yale.

Hoje, milhares de cursos estão disponíveis na rede para qualquer curioso, estudante ou, mesmo, profissional da área. No Brasil, a ‘moda’ ainda não pegou

Hoje, milhares de cursos estão disponíveis na rede para qualquer curioso, estudante ou, mesmo, profissional da área. 

Vários portais, entre eles o YouTube, compilam esses vídeos educacionais. No Brasil, a ‘moda’ ainda não pegou e são poucas as universidades que abrem, ao menos, parte de suas aulas – a Universidade Estadual de Campinas e a Fundação Getúlio Vargas são exceções.

Com esse cenário à frente – e a dicotomia do que acontece no mundo e no Brasil em mente –, o engenheiro formado pelo Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA) Carlos Souza colocou no ar há um mês e meio, com outros três sócios, o Veduca, portal brasileiro que agrega quase 5 mil aulas de universidades ao redor do mundo; Harvard, Columbia, Yale e Stanford são algumas das 11 instituições contempladas. No portal, é possível assistir a aulas de professores consagrados e, até mesmo, uma tradução do famoso curso de Dalai Lama, em Stanford, sobre compaixão.

Dez tradutores foram contratados para legendar as aulas e, até agora, 100 estão traduzidas. No entanto, Souza diz ao Alô, Professor que o Veduca ‘mira alto’ e que, para o final do ano, quer ao menos metade das aulas com texto em português. Terá ajuda extra:

“Há duas semanas, resolvemos abrir a possibilidade de legendagem colaborativa, pois recebemos muitas mensagens de pessoas querendo ajudar de alguma forma”, diz o engenheiro de 31 anos, que já foi professor, trabalhou no mercado publicitário e agora quer ganhar a internet com o Veduca – acrônimo para vídeo + educação. 

Leia abaixo a íntegra da entrevista com Carlos Souza.

Carlos Souza
O engenheiro Carlos Souza, criador do Veduca – um acrônimo para vídeo e educação. (foto: divulgação)

Ciência Hoje On-line: Por que um portal de educação no formato do Veduca?
Carlos Souza:
Há seis meses, vinha com a ideia de criar um negócio. Estudei tipos de negócio que já existiam em outros países e não existiam no Brasil. Nos Estados Unidos, houve uma revolução na educação, desde o começo dos anos 2000, que não aconteceu por aqui: os cursos abertos.

O Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) começou a filmar os seus cursos e disponibilizá-los na internet. Logo depois, as melhores universidades do mundo começaram a fazer o mesmo. Foi um movimento que foi se espalhando.

E por que no Brasil as pessoas não assistem tanto a esses vídeos e as universidades não disponibilizam suas aulas on-line? Por que, afinal, o movimento de ‘curso aberto’ não pegou no país?
No Brasil, esse movimento ainda está engatinhando. O primeiro motivo: apenas 2% da população falam inglês a ponto de entender uma aula com conteúdo mais aprofundado. E as universidades brasileiras, com exceção de algumas poucas, não abraçaram a ideia de ‘curso aberto’. Por isso, achamos que seria uma boa oportunidade disponibilizar essas aulas com legenda, nosso país precisa muito. Temos planos, e já conversamos com algumas universidades nacionais, de filmar aulas aqui no Brasil e disponibilizar, gratuitamente, no Veduca. É uma forma de começar o processo de curso aberto no Brasil.

“Temos noção do nosso potencial. No Brasil, são 18 milhões de pessoas com curso superior. Parte delas, certamente, tem interesse nas nossas aulas”

Como tem sido a receptividade ao Veduca?
Temos pouco mais de um mês de site e já contamos com 75 mil visitantes. Mas queremos chegar ao final do ano com 1 milhão de visitantes por mês e metade das aulas já traduzidas. Estamos correndo atrás de patrocínio também. Três parcerias já estão bem encaminhadas. Como queremos que o conteúdo sempre seja gratuito, nosso portal sobreviverá de publicidade. 

Mas o mais bacana é que, apesar de termos investido muito pouco em divulgação [o Veduca tem uma assessoria de imprensa, mas não gastou com publicidade], estamos chegando às pessoas. E estamos chegando sobretudo pelo boca a boca. Alguém viu na TV, no texto do colunista ou na nota do jornal e falou para o amigo. Temos noção do nosso potencial. No Brasil, são 18 milhões de pessoas com curso superior. Parte delas, certamente, tem interesse nas nossas aulas.

Vocês se basearam em algum outro portal que tem como diferencial a legendagem de palestras ou aulas? O TED (instituição sem fins lucrativos que organiza palestras sobre ciência e inovação) lhe é familiar?

Nós estudamos centenas de sites, que têm um propósito de democratização parecido com o nosso: o TED de fato nos inspirou nessa parte de legendagem. Mas, diferentemente deles, optamos por desenvolver uma ferramenta própria de legendagem.

E em que pé anda a legendagem colaborativa?
Há duas semanas, resolvemos abrir a possibilidade de legendagem colaborativa, pois recebemos muitas mensagens de pessoas querendo ajudar de alguma forma. A ferramenta de legendagem é bastante simples. O usuário assiste ao vídeo, quem em geral já tem legenda em inglês, e vai traduzindo. Sem chamar atenção, em poucos dias, 30 legendadores já trabalham colaborativamente conosco. Depois, é claro, essa legendagem colaborativa passa pelos revisores, já que legendar os assuntos tratados nas aulas, como biologia e anatomia, por exemplo, não é algo tão trivial.

“Achamos que aprofundar a notícia e aprender com ela podem ser novas maneiras de se destacar”

E a ideia de ter uma seção editorializada, que associa a aula a alguma notícia do dia, foi baseada em alguma iniciativa?
Essa ideia de aprender com as notícias é interessante. Vimos que o New York Times iria começar com isso, mas acabou não vingando. Aí pensamos: “Opa, isso a gente consegue fazer” [risos].

Acreditamos muito nessa interconexão de conteúdos. O primeiro passo que demos nessa direção foi relacionar uma notícia importante com aulas que temos no site. 

Hoje em dia, lemos em 500 portais diferentes a mesma notícia. O modo como eles se destacam é ‘dando o furo’, publicando primeiro. Mas achamos que aprofundar a notícia e aprender com ela podem ser novas maneiras de se destacar.

Com a adoção da legendagem aberta, mesmo que por acaso vocês acabaram virando uma rede, se não social, ao menos colaborativa. Há planos de transformar o Veduca numa rede social, de fato, em que as pessoas tenham perfis com gostos pessoais e interajam umas com as outras?
Sim! O próximo módulo de inovações será exatamente esse: montar um sistema de comunidade completo, com possibilidade de interação e troca de informação sobre as aulas e a qualidade das legendas. Obviamente, não queremos nos tornar o Facebook. O Facebook já existe. Mas queremos formar a nossa comunidade, algo mais segmentado. 

É muita informação circulando…
Pois é. Achamos que a internet precisa de curadoria, de editores. Pessoas que escolhem, num mar de informação, aquilo que é bacana. Outro dia estive com o pessoal da Veja. Eles têm vídeos sensacionais no YouTube, mas com pouquíssimos acessos. Porque a mentalidade de quem entra no YouTube não é, necessariamente, a de aprender. Quando se cria grandes plataformas, perde-se um pouco do foco. Seu usuário acaba não se encontrando no portal. 

Temos o nosso objetivo definido: educação. Somos uma comunidade educacional. E não concordo com os extremos: 100% colaborativo ou 100% fechado. Buscamos uma parceria com a comunidade, mas com uma visão editorial definida. Acho que é esse o futuro da informação. 

Thiago Camelo
Ciência Hoje On-line