Há quase 40 anos, um joguinho começava a mudar uma história que até hoje é contada. Era o Pong, uma pequena barra que lança a bola quadrada para o campo do oponente e simula um jogo de tênis. Aquilo soa meio tosco hoje, em 2010, mas na década de 1970 o Pong virou febre e se transformou no primeiro game vendido em grande escala.
O tempo correu, o Atari 2600 foi lançado, depois veio o Nintendo, os consoles da Sega e os da Sony. No meio disso tudo, surgiu o personal computer (PC), o computador que podíamos ter em casa. Junto com ele, ganhamos opção de mais jogos. O video game tornou-se pop.
E hoje já é mais que pop, é mais do que um evento movido por um sopro ‘popular’ (e, no entanto, ‘passageiro’). O video game está entranhado na cultura, virou bastião de gerações. Em 2010, o video game conta histórias. Querendo ou não, a máquina ensina tanto quanto as páginas de papel.
Então, vem a questão: como usar o video game em sala de aula?
Jogos educacionais
Os cientistas estão atentos ao fenômeno. Em uma pequisa recente realizada pelo Instituto de Tecnologia de Massachusetts (nos Estados Unidos), os jogos são tratados como o ‘passo além’ que pode ser dado em termos de educação. Segundo o texto, eles podem desenvolver qualidades de raciocínio inéditas no estudante.
Semana passada, o antropólogo brasileiro Hermano Vianna escreveu artigo para O Globo defendendo a mesma tese. E foi adiante. Disse: “Vou ter uma posição […] radical. Eu penso que os games são o futuro da educação.”
Não à toa, no Brasil já se vê um movimento nessa direção. Jogos vêm sendo produzidos com cada vez mais frequência, sugerindo que a tendência apontada por Hermano está sendo ouvida.
Inclusive, no próprio Alô, Professor comentamos sobre um desses jogos – o Estrada Real Virtual, desenvolvido pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
Está aí uma característica dos jogos educacionais. A maioria é desenvolvida dentro das universidades. Caso do recente game Calangos, criado por pesquisadores da Universidade Federal da Bahia (UFBA), Universidade Estadual de Feira de Santana (Uefs, na Bahia) e Universidade Presbiteriana Mackenzie (São Paulo).
Assista à abertura do jogo Calangos
O jogo, lançado em março, propõe que o estudante seja um calango, o lagarto que vai explorar o bioma das Dunas do Médio São Francisco e aprender conceitos de evolução e ecologia.
– Muita gente reclama que os jovens usam MSN, Orkut. Mas isso não é ruim, é a realidade deles. É bom que exista esse domínio do computador, na verdade. O que devemos tentar é aproximar o mundo das escolas da linguagem que os alunos entendem – conta Charbel El-Hani, biólogo da UFBA e coordenador do Calangos.
Entretenimento x Educação
Charbel toca também em uma questão partilhada por outros desenvolvedores de jogos educativos. Diz que as soluções de jogabilidade não são triviais, e que é fundamental encontrar equilíbrio entre aprendizagem e diversão. “Se houver muita informação o jogo fica chato, se houver muita ação o viés educacional fica comprometido”, alerta.
Essa busca pelo ‘meio-termo’ é reiterada por Felipe Vaz, analista de sistema e desenvolvedor do jogo A Revolta da Cabanagem, que emula a rebelião ocorrida no século 19, no Pará. Na rede desde o final do ano passado, o game recria uma das mais importantes revoluções populares brasileiras, e tem o intuito de colocar o aluno no centro das tensões do período regencial (1831-1840) do país.
– Fizemos um game que, além de conter informações sobre a Revolução, busca motivar os alunos com ações mais divertidas e emocionantes que as oferecidas pelos jogos educacionais tradicionais.
Felipe diz que os jogos educativos não devem ter a pretensão de ensinar todo o conteúdo da matéria para o aluno, e sim estimulá-lo a se aprofundar em um assunto.
E quem paga a conta?
Tudo vai bem, até esbarrar em uma questão capital. De onde vem o dinheiro para o desenvolvimento desses jogos? De modo geral, ainda vem do Estado. Apesar de ser uma indústria que cresce 10% ao ano [PDF], as empresas privadas – em sua maioria – ainda não apertaram o start do investimento de games para estudantes. Por isso, órgãos federais como a Finep [PDF] continuam sendo os maiores patrocinadores dessas empreitadas.
O CNPq é outra agência estatal que financia jogos educacionais. Bancou, por exemplo, o Spracegame, lançado pela Universidade Estadual Paulista (Unesp) e pelos físicos do Centro Regional de Análise de São Paulo (Sprace) no início deste mês.
O jogo tem ambição poderosa. Introduzir um conceito inédito no currículo das aulas de física da maioria dos colégios do país: a física de partículas, de elementos subatômicos. Ou seja, muito provavelmente pela primeira vez na vida, os estudantes que jogarem o Spracegame terão contato com a física praticada desde o século passado – e pouco ensinada nas escolas.
Veja uma demonstração do jogo Spracegame
A temática: múons, quarks, hádrons e afins devem ser capturados por uma nanonave, guiada pelo jogador. A cada fase, o aluno aprende mais sobre o tema.
– Existe uma tendência mundial de incluir esse tipo de física [de partículas] na formação dos alunos. É isso que estamos tentando fazer no Brasil. Sabemos a importância do video game na vida dos estudantes. Não usar esse tipo de ferramenta é, no mínimo, tolo – afirma Sandra Padula, uma das físicas do Sprace responsáveis pelo jogo.
É curioso notar que o centro em que Sandra trabalha – o Sprace – é o lugar onde estão alguns dos melhores físicos do país. De lá, os cientistas acompanham os dados do LHC, o grande colisor de hádrons que busca encontrar novas partículas subatômicas. É a vanguarda dos cientistas do Brasil defendendo o uso dos jogos educacionais.
Deve querer dizer alguma coisa.
Todos os jogos educacionais citados na matéria estão disponíveis para download gratuito na internet:
Thiago Camelo
Ciência Hoje On-line