Efeito gigante, aparelho minúsculo

Computadores portáteis e tocadores de MP3 como o iPod estão entre os mais populares sonhos de consumo da sociedade moderna. Esses dispositivos têm em comum o fato de usarem discos rígidos compactos, menores do que aqueles empregados nos computadores de mesa. Isso só foi possível graças ao fenômeno da magnetorresistência gigante (GMR, na sigla em inglês), descoberto em 1988, e que permitiu a produção de cabeçotes mais sensíveis e precisos para a leitura desses aparelhos.

O francês Albert Fert e o alemão Peter Grünberg, ganhadores do Nobel de física de 2007 (imagens: Fundação Nobel).

O feito rendeu o Nobel de física deste ano para o francês Albert Fert e o alemão Peter Grünberg, que descobriram ao mesmo tempo, e de maneira independente, o fenômeno. Eles empregaram técnicas desenvolvidas na década de 1970 para criar camadas de materiais com poucos átomos de espessura e, por isso, a descoberta também é considerada uma das primeiras aplicações da nanotecnologia.

Segundo o físico Carlos Alberto dos Santos, coordenador do Núcleo de Educação a Distância da Universidade Estadual do Rio Grande do Sul e colunista da CH On-line , a descoberta da GMR fez com que os pesquisadores discutissem novas formas de ver outros fenômenos e deu origem a várias patentes. “Esse foi um trabalho de grande impacto não só na pesquisa básica, como também na área tecnológica”, afirma.

Resistência variável
Os dados de um computador ficam estocados em dispositivos chamados discos rígidos. O armazenamento de informações é feito por meio da magnetização de áreas do disco rígido em duas orientações distintas – uma corresponde ao valor zero e outra ao valor um. Com a progressiva diminuição de tamanho dos discos, as áreas a serem magnetizadas se tornam cada vez menores e mais fracas, e, por conseqüência, o cabeçote que as lê tem que ser muito mais sensível.

A solução para esse desafio veio da magnetorresistência, o fenômeno no qual a magnetização afeta a condutividade de um material. Em substâncias magnéticas, como o ferro, o fluxo de elétrons – a condutividade – é maior ou menor dependendo da rotação do elétron (seu spin ), que pode ter dois sentidos. Se sua orientação for igual à do campo magnético (paralela), o elétron sofrerá menos resistência no percurso; se for diferente (antiparalela), ele terá mais dificuldade para atravessar o material.

Em meados da década de 1980, Fert e Grünberg resolveram testar o fenômeno em camadas de ferro e cromo, um metal não magnético, de espessura nanométrica (um nanômetro equivale a um bilionésimo do metro). O grupo liderado pelo francês, que contava com o físico brasileiro Mario Norberto Baibich, pesquisador da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, realizou experimentos com trinta camadas alternadas, enquanto o do alemão utilizou apenas três.

Fert observou variações de resistência dependentes de magnetização de 50% e Grünberg, de 10%, mas o efeito básico e a física por trás do fenômeno eram os mesmos. “Ficamos muito surpresos, pois o efeito era desproporcional – estávamos acostumados a medir mudanças de apenas 0,01%”, conta Baibich, que trabalhou com Fert durante um ano sabático na Universidade de Paris-Sul e também assina o trabalho que descreve o efeito ‘gigante’, além de outros quatro artigos publicados entre 1988 e 1990.

O gráfico acima mostra como a aplicação da magnetorresistência permitiu aumentar a densidade por área dos discos rígidos. Esse fenômeno passou a ser usado na produção de discos rígidos no início da década de 1990, mas a constante miniaturização dos dispositivos demandou a criação de cabeçotes mais sensíveis. Isso foi conseguido com a descoberta da magnetorresistência gigante, cujo artigo fundador, em 1988, abriu caminho para a produção, em 1997, do primeiro leitor a usar essa tecnologia.

 

Disco rígido

 

Ambos os pesquisadores perceberam as aplicações tecnológicas possíveis com a maior sensibilidade do método. Pode-se construir, por exemplo, um cabeçote com uma camada de cromo separando duas de ferro, sendo que a orientação do campo magnético na primeira camada férrea seja fixo, enquanto o da segunda seja livre e varie conforme a direção do campo da área do disco rígido.

 

Se a orientação da magnetização das camadas de ferro (em verde) for igual à do movimento de rotação ( spin ) do elétron (A), a condutividade será maior; se o campo da segunda camada tiver uma orientação distinta, a resistência aumenta, pois mais elétrons são dispersos (B).

Nesse caso, os elétrons de spin

paralelo, que costumam ser a maioria, passarão facilmente quando ambas as camadas de ferro tiverem a mesma orientação. Se estas forem diferentes, um maior número de elétrons será disperso. Na primeira situação, a condutividade é maior do que na segunda, ou seja, a corrente é mais forte. Essa diferença serve para identificar os valores zero e um. A condutividade maior poderia ser associada a um, enquanto a menor poderia estar relacionada ao zero.

 

A descoberta não foi só uma das primeiras aplicações da nanotecnologia – ela é considerada o primeiro passo no desenvolvimento de um novo tipo de eletrônica, a ‘spintrônica’ , na qual o spin

é tão importante quanto a carga do elétron. “Na época, tínhamos noção que nosso trabalho era importante, mas não sabíamos que ele levaria a um Nobel”, conclui Baibich. 

Ganhadores

Albert Fert nasceuem 1938 em Carcassonne, na França. Doutorou-se em 1970 pelaUniversidade Paris-Sul, em Orsay, região parisiense, da qual éprofessor desde 1976. É ainda diretor científico da unidade mista defísica do Conselho Nacional de Pesquisas Científicas da França desde1995.

Peter Grünberg nasceu em 1939 em Pilsen,hoje na República Tcheca, e é cidadão alemão. Doutorou-se em 1969 pelaUniversidade Técnica de Darmstadt, na Alemanha. Desde 1972, é professordo Instituto de Pesquisa do Estado Sólido do Centro de Pesquisa Jülich,na Alemanha.

 

Fred Furtado
Especial para a CH On-line
09/10/2007