Em uma galáxia nem tão distante

“O espaço é nosso”, anuncia a manchete do primeiro número da revista Galaksija, lançada em março de 1972 na antiga Iugoslávia. De periodicidade mensal, a ‘Galáxia’ (como fica o título em português) foi a publicação de divulgação científica mais popular do país até meados da década de 1990.

Mas quem configura esse ‘nós’ que reivindica o espaço na manchete? Por certo não é a ex-União Soviética – e muito menos os Estados Unidos. Como membro do Movimento dos Países Não-Alinhados, que se diziam neutros entre os polos norte-americano e soviético durante a Guerra Fria, a ex-Iugoslávia pode ter demonstrado aí uma pretensão mais universal: o ‘nós’ como toda a humanidade.

Em uma espécie de editorial intitulado ‘Dilema’, publicado nesse mesmo número inicial, a Galaksija apresenta sua posição em relação à exploração espacial e não parece puxar a sardinha para sua então vizinha URSS.

“Em breve chega a data que marca os 15 anos do anúncio feito pela União Soviética do começo de uma nova era cósmica. Lembrando: 4 de outubro de 1957. O país lançou o primeiro satélite artificial em órbita ao redor da Terra, Sputnik I. Foi um grande sucesso soviético, mas também um desafio para os Estados Unidos, que não queriam ficar para trás.”

“A conquista do espaço faz com que novas ideias e novas atitudes se cristalizem, resultando em novas técnicas e estruturas para gerenciar operações de larga escala”

O editorial então discorre sobre os valores estratosféricos que os EUA iriam investir nessa nova empreitada, chamada no texto de “corrida para conquistar o universo”. Mas é só nos parágrafos seguintes que se apresenta o cerne da discussão: a real necessidade de se gastar tanto dinheiro com naves espaciais.

O questionamento, logo se vê, é mera retórica – afinal, como uma revista de divulgação científica chamada ‘Galáxia’ se oporia à exploração espacial? A partir de comparações com as expedições de Cristóvão Colombo para o ‘Novo Mundo’, o editorial sentencia:

“A conquista do espaço faz com que novas ideias e novas atitudes se cristalizem, resultando em novas técnicas e estruturas para gerenciar operações de larga escala. O homem prepara terreno para empreender uma grande ofensiva contra os problemas sociais e materiais acumulados na Terra.”

O futuro é tecnicolor

A inspiração futurista de Galaksija é visível tanto nos temas abordados ao longo de duas décadas quanto no projeto gráfico das capas e das ilustrações internas. Robôs, naves espaciais, paisagens lunares e extraterrestres, computadores, manipulação genética. Todos esses elementos mereciam destaque e, em comum, guardavam a perspectiva de transformação do mundo – sempre no futuro.

Uma seção presente em muitos números é sintomática: ‘futurologia’, que tratava dos prognósticos científicos para as próximas décadas. A ficção científica também tinha espaço cativo em quase todos os números – referência à Kosmoplov, publicação destinada ao assunto que antecedeu a Galaksija.

Nesse cenário, não surpreende que os temas relacionados ao passado ou ao presente tivessem menos relevância. Arqueologia, paleontologia, psicologia, zoologia e as ciências humanas tiveram aparição discreta ao longo dos números. Mas uma característica é perceptível: a crescente atenção dada à ecologia e ao meio ambiente.

Um exemplo que chama a atenção é uma seção da edição de novembro de 1973 intitulada ‘climatologia’. Em plena década de 1970, Galaksija alertou para uma possível transformação radical no clima do planeta, causada pela ação do homem.

Galaksija novembro de 1973
Sumário da edição de novembro de 1973: aviação, tecnologia, ecologia, astronomia, astronáutica, ficção científica, futurologia, robótica e… climatologia! (imagem cedida por Tomaž Kac)


Confira mais imagens de capas e miolos da revista Galaksija

“A humanidade deve estar preparada para uma possível e rápida mudança climática, na qual algumas regiões poderiam sofrer sérias consequências”, sugere a matéria. O detalhe, porém, é que talvez a transformação anunciada acontecesse com o resfriamento do planeta – e não aquecimento, como se passou a dizer na década de 1980.

Vanguarda informática

Se você digitar Galaksija no Google, é provável que encontre mais referências a um computador com esse nome. Pois é: em uma edição especial da revista, chamada “Computadores para se ter em casa” e publicada em dezembro de 1983, foi divulgado um computador do tipo faça-você-mesmo criado pelo inventor Voja Antonić, batizado com o mesmo nome da revista.

Segundo o jornalista Dejan Ristanović, responsável pelas mais de 100 páginas que compunham aquela edição, o sucesso foi tamanho que os 40 mil exemplares impressos não foram suficientes para suprir a demanda e outros 30 mil saíram da gráfica.

Galaksija: 'Computadores em casa'
Edição especial ‘Computadores em casa’, lançada em dezembro de 1983, foi um grande sucesso. (imagem cedida por Milena e Vlada, do Yugudrom)

Tanto a Galaksija quanto suas edições especiais eram publicadas pelo Instituto de Publicação e Gráfica de Belgrado (BIGZ) – cujo prédio é considerado hoje marco da arquitetura moderna iugoslava.

Vale dizer: encontramos a – até então para nós – obscura Galaksija no blogue Yugodrom, dedicado à estética gráfica da ex-Iugoslávia. Seus criadores, Milena e Vlada, da Sérvia, cresceram lendo a revista e lamentam seu fim, que atribuem aos conflitos vividos pelo país nos anos 1990 e à competição com outras publicações.

“A revista com a qual crescemos parou de existir, deixando-nos com um vazio que não podia ser preenchido por outras revistas similares que surgiram depois”

“A ciência perdeu a batalha contra os eventos cotidianos e o entretenimento leve, e foi inevitável o fim da publicação no começo do novo milênio”, disse o casal à CH On-line. “A revista com a qual crescemos e que nos ajudou a descobrir novos mundos parou de existir, deixando-nos com um vazio que não podia ser preenchido por outras revistas similares que surgiram depois.”

Para quem se perguntou como nós conseguimos traduzir trechos da revista, escrita em servo-croata: tivemos ajuda do Google Tradutor para compor uma versão em inglês. A partir daí, já consideramos território seguro fazermos nós mesmos a tradução para o português.


Isabela Fraga

Ciência Hoje/ RJ