Embrionárias, mutantes e laureadas

Elas são alvo de discussões éticas, científicas e até religiosas. Agora, as células-tronco embrionárias consolidaram sua importância para a ciência ao arrebatar pela primeira vez o mais importante prêmio da biologia. O Nobel de medicina e fisiologia deste ano contemplou a descoberta de três cientistas que produziram camundongos mutantes a partir de modificações genéticas desse tipo de células-tronco.

Mario R. Capecchi, Martin J. Evans e Oliver Smithies dividirão o Nobel de medicina ou fisiologia deste ano por descobertas sobre o uso de células-tronco embrionárias para a manipulação genética de camundongos (fotos: Fundação Nobel).

O prêmio milionário será igualmente dividido pelo britânico Sir Martin J. Evans e pelos norte-americanos Mario R. Capecchi e Oliver Smithies. A técnica descrita por eles permite a concepção de modelos animais muito eficientes para estudos genéticos. O método possibilita aos cientistas entender as funções de vários genes específicos, que podem ser ativados ou desativados (ou ‘nocauteados’, como dizem os pesquisadores).

A geneticista Eliana Abdelhay, pesquisadora do Instituto Nacional do Câncer, explica à CH On-line que outras formas de provocar mutações em camundongos geram inserções aleatórias dos genes desejados e, portanto, são menos eficientes. “Com a metodologia descrita pelos premiados, podemos escolher exatamente qual gene modificar”, conta. Assim, fica mais fácil entender a função dos genes selecionados e seu papel em inúmeras doenças genéticas e na fisiologia de mamíferos.

A metodologia premiada consiste em inserir genes específicos em células-tronco de camundongos, por meio de vírus especiais que se implantam em uma das duas fitas do DNA. Elas dão origem a animais híbridos (com metade do DNA original e metade mutante) que geram alguns filhotes normais e outros mutantes – de acordo com as leis da hereditariedade, estipuladas por Gregor Mendel (1822-1884).

A contribuição de cada um
Mario Capecchi e Oliver Smithies mostraram que genes poderiam ser “nocauteados” por esse tipo de ligação do DNA em culturas de células. Martin Evans, por sua vez, percebeu que as células-tronco embrionárias poderiam ser usadas para acrescentar modificações genéticas hereditárias. Então, Smithies e Capecchi adotaram a técnica para estudar uma doença genética e Capecchi refinou-a para ser mais facilmente aplicada.

Desde a publicação do primeiro artigo que combinou as duas idéias, em 1989, ocorreu uma grande expansão em todo o mundo de estudos com esses camundongos mutantes. Já foram pesquisados com esse método centenas de genes ligados ao desenvolvimento dos mamíferos. Hoje, a equipe de Capecchi estuda o papel de genes na malformação embrionária; Evans trabalha com modelos animais e desenvolve uma terapia para a fibrose cística; Smithies, por fim, usa o modelo para estudar essa e outras doenças, como talassemia, hipertensão e arteriosclerose.

Porém, a técnica não está ao alcance de qualquer grupo de pesquisa. “É um processo muito caro”, conta Abdelhay. “Tentamos oferecer o serviço de produção desses camundongos no laboratório de animais transgênicos da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), mas poucos pesquisadores brasileiros podem pagar por ele”.

No entanto, isso não significa que nossos cientistas não possam trabalhar com esses camundongos mutantes. “Não podemos pagar para produzir alguma mutação desejada, mas compramos as que já existem – e são muitas”, explica. “Sem dúvida, essa metodologia revolucionou nosso trabalho”.

O prêmio pode ainda ajudar a sensibilizar a opinião pública para a importância dos estudos com células-tronco embrionárias humanas. Em entrevista à CH On-line , o biofísico Antônio Carlos Campos de Carvalho, professor da UFRJ, afirmou que o Nobel pode incentivar a aprovação do uso dessas células no Brasil – a questão tramita atualmente no Supremo Tribunal Federal.

“O estudo dos cientistas premiados usa células animais e a polêmica no Brasil gira em torno das células humanas”, ressalva o pesquisador. “Porém, acredito que o prêmio mostra a importância de se trabalhar com esse tipo celular e a potencialidade que ele representa para a pesquisa científica”. 

Ganhadores

Mario Capecchinasceu na Itália em 1937, mas é cidadão norte-americano. Doutorou-se embiofísica em 1967, pela Universidade Harvard (EUA). É pesquisador doInstituto Médico Howard Hughes e da Universidade de Utah, ambos nosEstados Unidos.

Sir Martin J. Evans nasceu em 1941 noReino Unido. Doutorou-se em anatomia e embriologia em 1969, peloUniversity College London (Reino Unido). É diretor da Escola deBiociências e professor de Genética de Mamíferos da Universidade deCardiff, no País de Gales (Reino Unido).

Oliver Smithies nasceu em 1925 no ReinoUnido e é cidadão norte-americano. Doutorou-se em bioquímica em 1951,pela Universidade de Oxford (Reino Unido). É professor de patologia emedicina de laboratório da Universidade da Carolina do Norte em ChappelHill (EUA).

Marina Verjovsky
Especial para a CH On-line
08/10/2007