Engenharias de ontem e de hoje

Aficionados da história do Brasil e do desenvolvimento tecnológico ganharam uma boa indicação de leitura. 500 anos de engenharia no Brasil reúne 23 ensaios que compõem um detalhado panorama da evolução das técnicas e dos profissionais envolvidos com os diversos ramos dessa disciplina no país. A obra destaca a importância político-econômica dessa prática e as mudanças que ela provocou na sociedade.

Mas engana-se quem pensa que vai encontrar no livro apenas uma coletânea das principais obras das cidades brasileiras. A engenharia civil é apenas uma entre as várias especialidades da disciplina abordadas no livro. As manipulações do DNA obtidas pela engenharia molecular, a complexa construção das plataformas de petróleo em alto-mar da engenharia naval e os sofisticados aeroportos e aviões projetados pela engenharia aeronáutica são alguns exemplos da diversidade de campos tratados no livro.

Os capítulos de 500 anos de engenharia no Brasil – todos escritos por professores da Universidade de São Paulo (USP) – foram dispostos em ordem cronológica, desde o período da Colônia até o século passado. A abordagem científica da engenharia desenvolvida na Europa no século 17 chegou ao Brasil apenas no século 19, com a corte portuguesa, segundo Milton Vargas, autor do primeiro ensaio. Todavia, a profissionalização dos especialistas nessa disciplina só ocorreu no fim desse século, com a expansão da construção civil (estradas e urbanização de cidades), da indústria pesada (metalurgia e produção de aço) e da criação de usinas hidrelétricas.

A engenharia conheceu um período de expansão no Brasil ao fim do século 19, com a construção de estradas de ferro e outros empreendimentos. Acima, viadutos da Grota Funda, na ferrovia Santos-Jundiaí, no estado de São Paulo (no primeiro plano, uma linha construída em 1867; no alto, a linha nova de 1901). Fotos: reprodução.

O ensino de engenharia em escolas de nível superior foi separado da Academia Militar apenas a partir de 1858, com a criação da Escola Central no Rio de Janeiro, que formava profissionais em engenharia civil. A partir do século 20, o desenvolvimento do país exigiu a capacitação de profissionais de outros ramos, e foram criadas faculdades de outras especialidades. Antes disso, era preciso importar profissionais – por isso, parte das grandes obras feitas no século 19, como Estrada de Ferro Pedro II, é assinada por estrangeiros.

Influência político-econômica
A maioria dos autores procura relacionar o desenvolvimento tecnológico às necessidades econômico-sociais de cada época. São muitos os exemplos da forma como o desenvolvimento tecnológico influenciou a configuração político-econômica de cada época – e foi influenciado por ela. A construção do maior aeroporto do país – o Galeão –, por exemplo, só foi realizada no Rio de Janeiro por razões políticas, já que o tráfego de passageiros é maior em São Paulo, segundo explica o professor Nicolau Gualda em um dos artigos do livro.

Há curiosidades interessantes no volume, como uma extensa lista dos recordes que o país quebrou na área de concreto armado. Em um dos ensaios, Augusto Vasconcelos mostra que mesmo os profissionais da área desconhecem essas conquistas e que algumas obras alcançaram recordes não registrados. A altura da barragem de Itaipu, por exemplo, é um recorde mundial, com 190 metros, assim como a ponte Rio-Niterói, que possui o maior vão metálico do mundo, com 300 metros.

A exploração do petróleo incentivou o desenvolvimento das engenharias naval e petroquímica no Brasil. Acima, refinaria Presidente Bernardes, em Cubatão (SP).

Alguns ensaios trazem também uma reflexão sobre a profissão e as mudanças pelas quais ela passou nos últimos anos. Em um deles, João Zuffo defende que os profissionais futuros precisarão se adaptar ao surgimento de novas especialidades como as engenharias genética e molecular (ainda incipientes no Brasil) e ao desaparecimento das mais antigas, pois já existem projetos automáticos que substituem os profissionais de engenharia civil, elétrica e mecânica.

500 anos de engenharia no Brasil tem um imenso conteúdo informativo e é de leitura fácil, apesar da grande minúcia de detalhes técnicos e históricos de alguns ensaios. O volume é apresentado em edição de luxo, com tamanho grande (26x28cm) e impressão em papel cuchê, o que realça a qualidade das dezenas de ilustrações e fotografias. 

500 anos de engenharia no Brasil
José Carlos T.B. Moraes (organizador)
São Paulo, 2005, Editora da Universidade de São Paulo
Coleção Uspiana Brasil 500 Anos
Tel.: (11) 30912911
384 páginas – R$ 220,00

Franciane Lovati
Ciência Hoje On-line
21/08/2006