Enquanto o Nobel não vem

Os brasileiros que vivem se queixando de o país nunca ter recebido um Nobel têm agora um consolo:  ganhamos este ano pela primeira vez o Ig Nobel, espécie de paródia do mais importante prêmio científico do mundo. A láurea foi entregue a dois pesquisadores que estudaram a forma como os tatus são capazes de atrapalhar o trabalho dos arqueólogos enquanto cavam seus túneis.

Um estudo sobre como o tatu-peba (Euphractus sexcintus) mistura camadas estratigráficas e transporta artefatos arqueológicos rendeu o IgNobel de arqueologia a dois pesquisadores brasileiros (foto: Whaldener Endo).

O prêmio da categoria Arqueologia foi dado a Astolfo Gomes de Mello Araújo, professor da Universidade de São Paulo (USP), e a José Carlos Marcelino, do Departamento do Patrimônio Histórico de São Paulo.

A dupla foi condecorada por um trabalho publicado em abril de 2003 na revista Geoarchaeology. O artigo investigou como o tatu-peba (Euphractus sexcintus) mistura camadas estratigráficas de diferentes idades e transporta artefatos arqueológicos.

O estudo brasileiro foi um dos primeiros a investigar experimentalmente a influência dos tatus nos sítios arqueológicos – um problema que há tempos era conhecido pelos pesquisadores dessa área. Entre as principais conclusões do artigo, a dupla constatou que o movimento dos tatus pode misturar camadas distantes de até 20 cm, e que o movimento vertical dos artefatos provocado por esses animais não tem direção preferencial.

Em entrevistas à imprensa, Astolfo Araújo afirmou ter se sentido honrado com a escolha do prêmio. “Não há prêmio Nobel de arqueologia, então um Ig Nobel é uma coisa boa”, afirmou. O arqueólogo lamentou não ter tido recursos para comparecer à cerimônia de entrega dos prêmios, realizada no último dia 2, quinta-feira, em auditório da Universidade Harvard (EUA).

Outras categorias
Entre outros destaques da premiação deste ano, está a láurea de Economia, para três americanos que mostraram que dançarinas de strip-tease ganham mais dinheiro quando estão em seu período fértil. Já na categoria Paz, quem levou foi o Comitê de Ética de Biotecnologia Não-Humana da Suíça, por adotar o princípio de que as plantas têm dignidade. O prêmio de Literatura, por sua vez, foi para um britânico que escreveu um ensaio sobre a experiência da indignação no ambiente corporativo.

No campo das ciências naturais, igualmente surpreendente foi o prêmio de Biologia, para um trio de pesquisadores franceses que mostraram que as pulgas que vivem em cachorros saltam mais alto do que aquelas que preferem os gatos. O prêmio de Nutrição foi para um inglês e um italiano que modificaram o som de batatas fritas de forma a induzir o consumidor a crer que elas estavam mais frescas e crocantes.

O americano William Lipscomb, Nobel de Química em 1976 (esq.), e o matemático francês Benoît Mandelbrot, inventor do conceito de fractais (dir.), bebem Coca-Cola em homenagem aos ganhadores do Ig Nobel de Química deste ano (foto: Kees Moeliker / Annals of Improbable Research).

Na categoria Física, quem levou foi uma dupla de americanos que provou matematicamente que cabelos e outros tipos de fios tendem a se enovelar e formar nós.

Já o prêmio de Química foi dividido por dois grupos que estudaram as propriedades da Coca-Cola, com resultados antagônicos: uma equipe norte-americana mostrou que o refrigerante é um espermicida eficaz, e um time de Taiwan mostrou justamente o contrário.

Completam a premiação deste ano a láurea de Ciência Cognitiva, para um grupo de cinco pesquisadores do Japão e um da Hungria que mostraram que microrganismos amebóides são capazes de resolver quebra-cabeças. O prêmio de Medicina, por fim, foi para Dan Ariely, da Universidade Duke (EUA), que mostrou que os remédios falsos (placebos) mais caros são mais eficazes do que os mais baratos.

Bernardo Esteves
Ciência Hoje On-line
03/10/2008