Entre delírios e monstros

Elas podem ser doces, estranhas, sedutoras, até repulsivas. Uma série de emoções vêm à tona quando se está frente a frente com as criaturas da artista australiana Patricia Piccinini. Sua vasta imaginação, impregnada das inúmeras possibilidades que a engenharia genética oferece, se materializa em seres facilmente reconhecíveis como reais. É essa proximidade com a vida cotidiana que assusta – ativa um sinal de alerta em – e provoca os espectadores. Se para alguns parece desconcertante e para outros, elucidativa, sua obra é, definitivamente, inquietante e perturbadora. Ela habita o limiar entre ficção e realidade, entre ciência e ética, entre o palpável e o inatingível.

O trabalho de Piccinini já foi exposto em diversas galerias ao redor do mundo, com destaque nas bienais de Liverpool (Inglaterra), Berlim (Alemanha), Havana (Cuba) e Veneza (Itália). No ano passado, foi apresentado ao público brasileiro na exposição individual intitulada ‘ComCiência’, no Centro Cultural Banco do Brasil de São Paulo – e segue para Brasília neste mês de janeiro.

Em entrevista ao sobreCultura, Piccinini fala sobre o que inspira sua obra, suas influências artísticas, sua relação com o público. Segundo ela, não há nada de ‘especulativo’ sobre as tecnologias genéticas que imagina em seu trabalho. “Tudo isso está acontecendo à nossa volta.”

Quando decidiu inspirar seu trabalho na biotecnologia e na engenharia genética?
Minha mãe foi diagnosticada com câncer quando eu era adolescente e, apesar de ela ter vivido por mais dez anos após o diagnóstico, a sombra da doença e a esperança de que surgisse algum tipo de tratamento médico revolucionário foram uma constante na minha vida. Depois que ela morreu, comecei a acompanhar as notícias e os resultados do Projeto Genoma Humano [que busca sequenciar todos os genes que codificam as proteínas do corpo humano, assim como as sequências de DNA que não são genes], que parecia ser a última esperança de cura para as diversas enfermidades. No entanto, minhas experiências com a medicina me tornaram uma pessoa cética. E a maior parte do meu trabalho gira em torno dessa tensão entre o altruísmo da pesquisa científica e o ceticismo e o pragmatismo cruel do mundo industrializado.

Sua obra está no limiar entre a ficção e a realidade, e muitas de suas esculturas provocam, ao mesmo tempo, atração e repulsa. O que pretende mostrar com essa abordagem limítrofe?
Para mim, as minhas criações são todas muito belas, mas elas são muito diferentes daquilo que o público está acostumado a ver. As pessoas tendem a temer a diferença, e esse medo leva, com frequência, a resultados negativos. Entretanto, todas as minhas criaturas reservam uma

Patricia Piccinini
A artista acredita que seu trabalho pode suscitar debates importantes sobre questões contemporâneas, incluindo ciência, ética e meio ambiente. (foto: Divulgação)

beleza e vulnerabilidade por trás da estranheza que despertam quando as pessoas entram em contato com elas pela primeira vez. Eu adoro ver o público nessa viagem que vai da aversão à simpatia. Gosto de assistir à empatia que surge depois de passado o choque inicial de  estranhamento. Ser testemunha desse processo me dá esperança. Se as criaturas fossem apenas ‘fofinhas’, penso que meu trabalho seria muito brando; mas é justamente seu lado grotesco que o faz forte.

Que tipo de público pretende atingir com sua obra, e de que forma?
Todo mundo me interessa. Embora meu trabalho seja fruto, definitivamente, da arte mundial contemporânea, acho que ele ecoa além do público especializado. Procuro alcançar pessoas que tenham olhos, corações e mentes.

Como tem sido a reação das pessoas à sua obra ao redor do mundo?
Meu trabalho tem provocado respostas fortes em todos os lugares onde foi exibido. Acredito que ele opera em uma série de níveis. Em um determinado nível, pode ser considerado apenas como uma história estranha que quase todos podem apreciar. Em outro nível, minha obra se conecta com ideias da vida contemporânea – ideias sobre ciência, ética ou meio ambiente. Ainda em outro patamar, apresenta reflexões sobre preocupações artísticas, como forma e matéria, abstração e figuração. Muitas dessas reações parecem surpreendentemente universais, e eu tenho obtido respostas muito fortes e semelhantes dos diversos públicos, seja na Coreia, na Austrália ou no Peru. É claro que sempre há diferenças sutis.

 

Você leu apenas parte da entrevista publicada no sobreCultura 21. Clique aqui para acessar o suplemento e ler o texto completo.


Alicia Ivanissevich

Instituto Ciência Hoje/ RJ