Entre o vício e a liberdade

O Brasil tem hoje 600 mil usuários de crack, de acordo com estimativa do Ministério da Saúde. Alguns especialistas chegam a classificar esse cenário como uma epidemia. O psiquiatra Ronaldo Laranjeira, um dos adeptos dessa opinião, acredita que a situação só pode ser revertida com medidas drásticas como a internação involuntária e critica o atual sistema público de assistência a dependentes.

Em conferência ministrada nessa terça-feira (12/7) na 63ª Reunião Anual da SBPC, em Goiânia, Laranjeira defendeu que os Centros de Atenção Psicossocial (CAPs), base da política de dependência química do governo, não dão conta do problema. Nesses locais, o usuário de drogas recebe tratamento diário e acompanhamento médico, mas não é submetido a internação.

A política de dependência química do governo não dá conta do problema, diz Laranjeira

“Não se pode lidar com uma doença complexa como a dependência só com o atendimento ambulatorial dos CAPs”, afirmou o psiquiatra. “A realidade requer tratamentos combinados e o Ministério da Saúde não pode privar as pessoas que precisam de internação.”

Contrariamente à diretriz adotada pelo sistema público de saúde e pela Organização Mundial de Saúde, Laranjeira acredita que a internação é uma ferramenta importante no tratamento da dependência, mesmo quando involuntária. 

“O tratamento involuntário é tão efetivo quanto o voluntário”, ponderou. “No Brasil, temos leis que asseguram que o médico, junto com a família, possa fazer essa intervenção. É uma situação difícil, em que a liberdade do paciente é retirada, mas é absolutamente legal”, explicou.

Viciado em crack
Laranjeira defende moradias assistidas para grupos pequenos de viciados. (foto: Marco Gomes/ Flickr – CC BY-NC-SA 2.0)

O psiquiatra ressaltou ainda que se a internação fosse mais frequente, não haveria tantas cracolândias se espalhando pelo país.

“Em vez de prover o tratamento adequado, o governo desrespeita a condição humana ao tolerar o uso público da droga e privar da internação as pessoas que não têm recursos”, reprovou Laranjeira. “Permitir que os usuários fiquem perambulando pelas ruas e tratá-los apenas com medidas paliativas é retirar o direito à saúde universal garantido pelo SUS”, acrescentou.

Para o psiquiatra, se a internação fosse mais frequente, não haveria tantas cracolândias se espalhando pelo país

Além da maior ênfase na internação, Laranjeira defende a criação de moradias assistidas como alternativa aos CAPs. Nesses locais, mais parecidos com casas do que com hospitais, grupos pequenos de até 15 dependentes ficam internados por cerca de 40 dias fazendo a desintoxicação e participando de atividades em grupo e terapias comportamentais. 

“Uma moradia assim custa cerca de 10 mil reais, o que é pouco se pensarmos nos benefícios sociais que ela implica”, disse Laranjeira, que, desde 2009, coordena uma unidade nesses moldes em São Paulo por meio de uma parceria com o governo estadual. 

“Se esse modelo fosse aplicado a todo país, aí sim o crack poderia deixar de ser a epidemia que é hoje”, concluiu.

 

Sofia Moutinho
Ciência Hoje On-line

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