Escola Nova, questões atuais

Em 1932, um grupo de intelectuais, professores e artistas assinou O Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, cujo primeiro parágrafo dizia:


Na hierarquia dos problemas nacionais, nenhum sobreleva em importância e gravidade ao da educação. Nem mesmo os de caráter econômico lhe podem disputar a primazia nos planos de reconstrução nacional. Pois, se a evolução orgânica do sistema cultural de um país depende de suas condições econômicas, é impossível desenvolver as forças econômicas ou de produção, sem o preparo intensivo das forças culturais e o desenvolvimento das aptidões à invenção e à iniciativa que são os fatores fundamentais do acréscimo de riqueza de uma sociedade.

 

Os que assinaram eram adeptos do movimento conhecido, entre outros nomes, por Escola Nova. Proposta de renovação do ensino clássico que emergiu na Europa no final do século 19 e chegou ao Brasil no início do século 20.

Com a Escola Nova, seria possível criar pequenas comunidades e grupos de interesses comuns

O ideal era de uma escola comunitária, explorando a capacidade e a vontade individual de casa aluno. Assim, seria possível com o tempo criar pequenas comunidades e grupos de interesses comuns. O responsável por fornecer esta base de igualdade deveria ser o Estado, com ensino público estatal e aberto a todos.

Pois bem, há várias teses e livros sobre o tema. Carlos Monarcha, professor da Faculdade de Ciências e Letras da Unesp, em Araraquara (SP), resolveu, mesmo assim, fazer um ensaio sobre a proposta: Brasil arcaico, Escola Nova ciência, técnica e utopia nos anos 1920-1930. Sua justificativa para um novo estudo: há uma grande quantidade de documentos e fontes primárias que podem ser usadas para entender melhor esse  movimento – tão criticado pela ingenuidade quanto celebrado pela inovação – do início do século passado.

A Escola Nova era discutida com fervor pelos protagonistas culturais e políticos da época

E Monarcha revela-se um pesquisador detalhista, que descreve os primórdios das ideias que pavimentaram a Escola Nova até a chegada desses conceitos no Brasil. O professor também debate sobre as tentativas de aplicação dos conceitos escolanovistas em meio aos impulsos industriais e tensões sociais e modernizadoras no país. Entre 1910 e 1930, a Escola Nova era discutida com fervor pelos protagonistas culturais e políticos da época.

A técnica e a ciência deveriam ser usadas para fornecer uma igualdade de condições aos alunos. Não à toa, Carlos Monarcha cita passagem do livro Os miseráveis, de Victor Hugo.

 

escola nova

Entendamo-nos bem sobre o que é igualdade: pois se a liberdade é a cúpula, a igualdade é a base. A igualdade, cidadãos, não é o nivelamento de toda a vegetação; uma sociedade de grandes cânulas de ervas e pequenos carvalhos, um tecido de invejas; é, civilmente, o mesmo peso para todos os votos; e religiosamente, o mesmo direito para todas as consciências. A igualdade tem um órgão: a instrução gratuita e obrigatória. Principiei-se pelo direito ao alfabeto, sendo a lei a escola primária imposta a todos e a secundária oferecida. Da escola idêntica sai a sociedade igual. (p.14)

 

Neste sentido, como Monarcha explica, a educação infantil ganha forte destaque. Em seu texto, ele também problematiza o viés utópico da Escola Nova. E critica alguns métodos de requintes quase cruéis e preconceituosos, baseados em um cientificismo exacerbado:


Cabe agora perguntar: quanto do anseio obsessivo de estandardizar o produto humano tornou-se terrificante realidade entre nós, fosse em nome da solução do magno problema da felicidade e liberdade, fosse em nome de uma sociedade de indivíduos livremente solidários numa sociedade amorosa e, portanto, não traumática? Quanto o frenesi das medições, com sua força e eloquência características, concretizou-se, no Brasil, como fundamento de ações sociais, filantrópicas, científicas e administrativas? Quanto desse sonho imaginativo, sonhado à clara luz do meio-dia da ciência pedológica, com suas verdades indiscutíveis e ricas em implicações sociais, foi séria e ferozmente bem-querido entre nós? (p.207)


A problematização que Monacha faz é acompanhada de um reconhecimento: havia ali uma tentativa de ensinar de uma forma diferente; a crença de que, por meio da vivência, em um mundo mecanizado e racional, o mesmo progresso da ciência seria alcançado nas escolas.

Experiências atuais

As descrições das atividades, guardadas as proporções, remetem a iniciativas mais recentes, que acontecem no Brasil e fora dele. Por aqui, a mais conhecida é o Colégio Municipal Amorim Lima, em São Paulo. Identificada também como ‘a escola sem paredes’, o local dá grande autonomia ao aluno e, como a descrição já sugere, ele não conta com paredes.

Assista a um vídeo sobre o Colégio Municipal Amorim Lima, em São Paulo

 

A Amorim Lima é baseada no exemplo da Escola da Ponte, instituição portuguesa renomada por também propor métodos mais libertários de ensino aos alunos. Como as duas, há várias pelo mundo. Algumas têm suas qualidades – e ambiguidades – retratadas em filme. É o caso de uma escola francesa documentada no longa-metragem Ser e ter.

 

Assista a um vídeo sobre a Escola da Ponte, em Portugal

Assista a um trecho do filme francês Ser e ter

 

O livro de Monarcha e as proposições destas novas escolas de hoje sugerem que, no Brasil e no mundo, as melhores formas de se educar ainda estão sendo discutidas. O novo mundo digital, as novas tecnologias e as recentes abordagens em torno do tema prometem abrir mais o leque da conversa. Isso é bom. 

 

Brasil arcaico, Escola Nova – ciências, técnicas e utopias nos anos 1920 – 1930
Carlos Monarcha
São Paulo, Editora Unesp, 2009
Tel: (11) 3242-7172
342 p., R$ 65,00



Thiago Camelo
Ciência Hoje On-line