Esporte com um pé na aldeia

Esportes modernos como vôlei e futebol devem muitas de suas características aos jogos rituais encontrados entre os índios. Eles herdaram valores dessas práticas, que faziam parte de brincadeiras infantis, ritos e outras atividades indígenas, e os transformaram, mantendo-os presentes, mas com um sentido perdido.

Os paralelos entre ambos foram traçados pelo educador físico Jefferson Jurema, da Universidade do Estado do Amazonas (UEA), em uma conferência apresentada na 61ª reunião anual da SBPC. As considerações do pesquisador são embasadas em seus estudos sobre a etnia Tukano, do alto rio Negro – Jurema documentou os ritos e costumes desse povo e apontou várias similaridades entre os jogos indígenas e os esportes modernos.

Segundo ele, o esporte, assim como os ritos, tem a função de introduzir o indivíduo na vida e na sociedade, de forma a ajudá-lo a superar obstáculos. “O ritual não faz do índio um caçador, assim como a atividade esportiva não é a profissão dos jogadores por toda a sua vida”, avalia. “Mas ambos ascendem socialmente em função desses ritos.”

Jurema diz que é possível identificar vários componentes de origem ritual nos jogos modernos, como o agonismo e o xamanismo. O agonismo – a superação pela dor – pode ser encontrado naqueles eventos em que os atletas suportam grande sacrifício físico para completarem suas provas. “A satisfação que se sente após superar essa situação e atingir o seu objetivo valida o esforço”, explica o educador físico.

Entre os Tukano, Jurema cita o ritual da tukandeira – uma luva de palha e folha que contém várias formigas –, no qual o jovem índio deve dançar durante horas trajando esse item e suportando as mordidas dos insetos, para poder se casar. “Nos esportes, os exemplos são vários, da lesão no joelho do Ronaldo ao maratonista de Nova York que completou uma prova com uma bala na cabeça”, compara.

Já os rituais de xamanismo, como o banho de fumaça indígena, que representa proteção, força e contato com o sobrenatural, aparecem nas manifestações das torcidas. Elas usam esse elemento para garantir a vitória do seu time e demonstrar superioridade. “A fumaça ajuda o índio a vencer na caça e o Corinthians a ‘caçar’ o Palmeiras”, comenta Jurema.

Cooperação, não competição
Outro fator destacado pelo educador físico é que o jogo, para os índios, não tem fim competitivo e sim cooperativo – crianças de quatro anos de idade e idosos participam dos jogos de futebol, mesmo sem ter a capacidade técnica para tal. Nos jogos de vôlei, todos os jogadores têm que tocar na bola antes de ela ser passada para o outro lado. “Já em times profissionais, nenhum de nós pode participar porque não temos o treinamento necessário”, observa o educador físico.

Na opinião de Jurema, as distorções encontradas no jogo moderno são frutos da proibição do ritual, que fez com que as sociedades o mascarassem. Para ele, o ritual da fumaça jamais seria aceito atualmente se fosse chamado assim, por isso passa a ser conhecido como ‘a força da torcida’. “Não atribuímos a origem do comportamento aos indígenas”.

O educador físico afirma que mudanças como essas também ocorreram nas sociedades indígenas que foram proibidas de realizar suas manifestações culturais. Nesses casos, esses ritos acabaram sendo inseridos nos jogos como forma de adaptação. Jurema acredita que essa situação tende a piorar, a não ser que o povo brasileiro se dê conta de que nosso passado étnico não é europeu. “Não temos ainda definido um princípio de respeito com nossas próprias etnias”, lamenta.

Fred Furtado
Ciência Hoje / RJ
17/07/2009

Confira a cobertura completa da 61ª Reunião Anual da SBPC