Evolução com calma

Você, professor de ciências (ou de biologia), está em sala de aula e se depara com uma questão: um aluno discorda da exposição sobre evolução e as ideias de Darwin e faz uma pergunta relacionada à bíblia e a ideias criacionistas.

Você está munido de argumentos científicos, mas simplesmente não consegue separar o aluno de sua crença (e nem consegue se separar da sua). Situação difícil, mas bem mais corriqueira do que se gostaria.

Você está munido de argumentos científicos, mas simplesmente não consegue separar o aluno de sua crença religiosa

A surpresa, talvez não tão corriqueira assim, foi o estudo realizado por nove alunos de graduação em biologia da Universidade Estadual da Paraíba (UEPB) no ano passado – não à toa, aliás, ano da comemoração dos 200 anos do nascimento de Charles Darwin.

A pesquisa, publicada no periódico Genética na Escola [PDF], encontrou um dado extra que choca: cerca de dois a cinco alunos de cada turma (em média, de 40 alunos) de ciências biológicas da UEPB afirmam ser criacionistas.

O texto diz: “[Esses alunos] são seguidores de doutrinas religiosas que interpretam literalmente o texto bíblico […], duvidando das teorias evolutivas por serem, como dizem, ‘apenas teorias'”.

Ou seja, além da constatação óbvia de que há problemas na formação dos alunos nas escolas, os pesquisadores da UEPB perceberam que, mesmo entre seus pares na graduação, há problemas sérios de aceitação de certas informações.

“Na universidade, nem sempre somos incentivados a interpretar a poesia da vida. Há um debate polarizado e socrático, com torcidas organizadas. É uma pena”, diz Allysson Allan de Farias, um dos alunos que participaram da pesquisa.

Allysson, que se formou biólogo ano passado, continua: 

“Nós enxergamos todas essas defasagens no nosso estado [Paraíba] e resolvemos fazer alguma coisa a respeito. Resolvemos envolver graduandos, alunos de escolas, professores do ensino médio e, por meio de um processo coletivo, falar sobre evolução e Darwin”.

800 alunos de ensino médio

O que o grupo de Allyson fez? Chamou 250 graduandos da UEPB, procurou oito escolas públicas de Campina Grande (PB), envolveu 800 alunos de ensino médio e propôs a ação: era hora de entender Darwin, sem preconceito (de lado a lado).

Todo esse processo é descrito no texto [PDF] para a Genética na Escola, que relata:

Entender o contexto da descoberta e as influências socioeconômicas nas quais as teorias científicas surgem é imprescindível para que o cidadão desenvolva uma perspectiva menos idealizada da ciência. Charles Darwin não era nem herói e nem vilão, apenas um indivíduo como tantos outros que queria compreender como as espécies surgiram e se diversificaram ao longo do tempo.

Para atingir o objetivo, os estudantes-líderes do projeto, junto à URPB, realizaram exposições científicas nas escolas selecionadas, empregaram alguns livros nas salas de aula do ensino médio (entre eles, o nosso Ciência Hoje na escola volume 9, que fala justamente de evolução) e criaram, até, um Cordel do Darwin.

Parte da letra diz:

A você leitor amigo
Escuta o que vou te falar
De um gênio em biologia
E mestre em observar.
Um pouco de Charles Darwin
Agora eu vou contar

E daí segue a narrativa, contando, em uma letra enorme e bem-feita, as descobertas do naturalista.

Resultados

A aventura dos jovens biólogos na Paraíba deu certo? Em uma primeira observação, sim. Basta visitar o blogue criado por eles para contar toda a ação. São dezenas de fotos, reportagens na televisão e aulas; tudo relatado no portal (a letra inteira do cordel também pode ser encontrada por lá).

A prática, no entanto, ainda está sendo avaliada pelo grupo, que fez questionário com 266 estudantes envolvidos na proposta. 

“30% dos alunos avaliados apresentam compreensões mais científicas de evolução. Isso parece pouco, mas não é”

“Após o conjunto de atividades desenvolvidas, podemos afirmar que 30% dos alunos avaliados apresentam compreensões mais científicas de evolução, enquanto 70% mantiveram ideias cotidianas”, conta a bióloga Silvana Santos, outra integrante do grupo de pesquisa.

“Isso parece pouco, mas não é”, acrescenta. “A maior parte das pesquisas feitas em escolas do mundo mostra que os estudantes têm muita dificuldade para compreender as ideias evolutivas, e os resultados são parecidos com os nossos”.

O desejo da turma é que esse segundo momento do trabalho – a parte que o avalia – se torne um artigo e venha a ser submetido a uma revista científica internacional. Eles parecem bem empolgados. E têm motivo para isso.

 Assista à entrevista de Allysson Allan de Farias
para uma TV local

Thiago Camelo
Ciência Hoje On-line