Fernando de Sousa Reis (1921-2010)

Queria registrar aqui uma homenagem a uma figura importante e pouco conhecida da história da divulgação científica no Brasil, que morreu no final do mês de julho: o jornalista e publicitário Fernando de Sousa Reis (1921-2010).

Ciência para Todos n. 1
A capa do número 1 de ‘Ciência para Todos’ (28/03/1948) destacava os trabalhos do físico Cesar Lattes. A valorização da ciência brasileira era um traço marcante do suplemento (reprodução).

Ele esteve à frente de uma iniciativa notável nos anos pós-guerra: o suplemento dominical Ciência para Todos [PDF], que circulou uma vez por mês no diário carioca A Manhã entre 1948 e 1953. A publicação tinha como objetivo levar ao grande público as novidades da ciência.

O suplemento publicava uma mistura de textos jornalísticos e artigos e colunas escritos por cientistas e professores brasileiros (não muito diferente do que a CH faz hoje).

A equipe de articulistas era formada por jovens pesquisadores e professores apaixonados pela ciência e interessados em estimular a renovação dos métodos de ensino. Entre eles, estava o geneticista Oswaldo Frota-Pessoa (1917-2010), morto em março deste ano.

Fernando de Sousa Reis era o articulador dessa equipe. Como editor de Ciência para Todos, cabia a ele encomendar artigos e ilustrações, dar aos textos sua forma final e diagramar o suplemento, numa época em que as páginas dos diários eram compostas em linotipos na oficina de cada jornal.

Sousa Reis contribuiu para tornar os jornais brasileiros mais receptivos às notícias de ciência

O suplemento conduzido por ele significou um capítulo importante para a divulgação da ciência nos jornais brasileiros. A Manhã foi um veículo pioneiro ao criar um caderno daquele tamanho – com 12 páginas em média – inteiramente dedicado à ciência e publicado durante tanto tempo (cinco anos).

Hoje os grandes jornais têm espaços reservados para a publicação de notícias científicas e repórteres especializados para cobrir esses temas, mas nem sempre foi assim. Com Ciência para Todos, Fernando de Sousa Reis deu sua contribuição para tornar as páginas dos jornais brasileiros mais receptivas às notícias de ciência.

Divulgação com pedigree

O último sobrenome de Fernando talvez não tenha escapado à atenção de alguns leitores. Ele era sobrinho do médico e jornalista José Reis (1907-2002), um divisor de águas na história da divulgação científica brasileira. No mesmo ano da estreia de Ciência para Todos, José lançara a coluna semanal “No mundo da ciência”, na Folha da Manhã, que ele manteria por muitos anos.

Fernando compartilhava com o tio a paixão pela ciência e por levá-la ao público. Não teve uma carreira tão destacada quanto a de José Reis. Mas o interesse pelo tema nunca saiu de seu horizonte.

O caixeiro-viajante da ciência
‘Boneca’ de uma versão preliminar do projeto ao qual Fernando de Sousa Reis se dedicou nos últimos anos (foto: Bernardo Esteves).

Quando se desligou da edição do suplemento Ciência para Todos, Sousa Reis se afastou do jornalismo para trilhar carreira no mundo da publicidade. Mas a divulgação científica voltara ao centro de seus interesses no fim da vida, como que para fechar um ciclo.

Nos últimos anos, Sousa Reis vinha trabalhando numa coletânea de biografias de cientistas brasileiros escritos por seu tio e por ele próprio.

Tive a oportunidade de entrevistar Sousa Reis em algumas ocasiões na última década (resgatar a trajetória do suplemento Ciência para Todos foi o objetivo da minha dissertação de mestrado, mais tarde adaptada para livro). Ele falava com entusiasmo do seu projeto:

Quando me aposentei, tomei conhecimento do memorial que meu tio escreveu, praticamente um roteiro da vida dele. Baseado nesse material, decidi fazer um livro em dois volumes, o primeiro com a autobiografia de José Reis e o segundo com 99 perfis de pessoas que, quase todas, conviveram com ele em seus 94 anos de vida.

O caixeiro-viajante da ciência e outros perfis, infelizmente, nunca foi lançado comercialmente.

Fernando de Sousa Reis morreu em 29 de julho, aos 88 anos. Deixa dois filhos, netos e bisnetos.

 

Bernardo Esteves
Ciência Hoje On-line

PS – A notícia da morte me foi comunicada por e-mail pelo zoólogo Hitoshi Nomura, que publicou, também hoje, outro obituário de Fernando de Sousa Reis no JC E-mail.