Fica para 2012

No último dia 13, quando a ministra do meio ambiente, Marina Silva, anunciou a posição do Brasil em favor do uso da expressão ‘contém’ para identificar produtos geneticamente modificados, muita gente criticou o prazo de quatro anos dado pelo governo para a implementação da mudança. Após uma semana de discussões na 3ª Reunião das Partes do Protocolo de Cartagena sobre Biossegurança (MOP3), os críticos passaram a ter mais razões para reclamar. O prazo para a mudança, que era de quatro anos, subiu para seis, ou seja, só poderá vir a ser implementado em 2012, na MOP6.

Os responsáveis por protelar ainda mais a discussão foram México e Paraguai, que discordaram da proposta brasileira. Os mexicanos têm acordos bilaterais com os Estados Unidos (que não ratificou o protocolo) e seriam prejudicados com a obrigatoriedade de segregar e identificar produtos transgênicos. Já os delegados paraguaios alegaram falta de condições de seguir as exigências expressas no documento brasileiro. A Nova Zelândia – que, junto com o Brasil, havia impedido o avanço das negociações na MOP2 – se posicionou favoravelmente à nova proposta brasileira.

Devido à relutância de México e Paraguai, o último dia de discussões da MOP3 foi tenso. Os delegados do Brasil e da União Européia criticaram a postura mexicana em se manifestar contra o texto final na plenária da manhã de sexta-feira, 17 de março. Após uma última reunião, o texto de consenso ficou longe da proposta brasileira: os países terão quatro anos para se adaptar às normas de manuseio, transporte, embalagem e identificação de organismos vivos modificados (OVMs), contidas no artigo 18, e as experiências serão discutidas na MOP5. Até lá, os países em condições de segregar e identificar produtos com a expressão ‘contém transgênicos’ poderão fazê-lo; mas a obrigatoriedade só será definida na MOP6. 

Grupo de estudantes tenta sensibilizar delegações da MOP3: ‘Este documento contém nosso futuro’ (foto: Luciana Cristo).

A indefinição das partes em relação ao tema gerou protesto de pessoas sem direito à palavra mas que acompanharam as negociações passo a passo. É a chamada ‘Juventude da MOP3’, estudantes dos Estados Unidos, Costa Rica, Brasil e Canadá que se reuniram para exigir a adoção do termo ‘contém OVMs’. Muitos usavam faixas amarradas nos braços com a palavra ‘ Contains’; outros estamparam a faixa ‘ This document contains our future

’ (‘Este documento contém nosso futuro’) em frente às salas onde os delegados estavam reunidos.

 

Questionada sobre a posição do governo de seu país, que não é signatário do Protocolo de Cartagena, a estudante norte-americana Elsie Flemings disse discordar de muitas decisões políticas dos Estados Unidos. “Há muita gente em meu país lutando por acordos ambientais justos, tanto internacionais quanto locais.”

 

Para a representante da Associação Brasileira de Agricultura Orgânica, Marijane Lisboa, o objetivo da convenção foi comprometido por interesses econômicos. “Muitos países vulneráveis, em vez de resguardar sua coletividade e seu meio ambiente, optaram por defender interesses econômicos estrangeiros.” Lisboa ressaltou que os ministérios da Agricultura ou da Ciência e Tecnologia da maioria dos países estiveram mais bem representados do que o ministério do Meio Ambiente. “Isso revela o seqüestro das convenções ambientais pelos interesses comerciais.”

 

Decisões

 

Além do polêmico artigo 18, outros 22 temas foram discutidos na MOP3. De acordo com o secretário da Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB), o argelino Ahmed Djoghlaf, houve avanços em relação às duas reuniões anteriores. Em Kuala Lumpur (MOP1) e em Montreal (MOP2), foram tomadas 15 e 14 decisões, respectivamente. Além disso, cerca de mil representantes de mais de 130 países discutiram biossegurança em Curitiba, contra 450 pessoas em Montreal. “A reunião de Curitiba foi histórica, não apenas pelas estatísticas, mas pela qualidade dos debates. Pela primeira vez um chefe de estado se envolveu diretamente no processo”, disse Djoghlaf, referindo-se ao posicionamento do presidente Lula na questão da identificação de transgênicos.

 

Djoghlaf festejou a liberação de recursos do Fundo Mundial para Natureza (GEF, na sigla em inglês), da ordem de US$ 8 milhões, para países em desenvolvimento usarem em programas de capacitação (controle, segregação e identificação de transgênicos). Segundo o secretário da CDB, 15 países já participam do programa.

 

Embora o consenso em torno de vários pontos tenham contribuído para a implementação do protocolo, algumas discussões importantes ficaram para a MOP4. Um exemplo é o artigo 27, que trata da responsabilidade por eventuais danos causados pelo movimento transfronteiriço de OVMs e da compensação a ser destinada aos prejudicados.

 

 

 

Murilo Alves Pereira e Luciana Cristo

 

Especial para a CH On-line / PR

20/03/2006