Filmes que contam história

Em 2006, a diretora Sofia Coppola lançou o filme Maria Antonieta, sobre a rainha guilhotinada durante a Revolução Francesa. A morte da rainha não aparece no filme. Até aí, tudo bem. Não é um erro histórico, é só uma opção, um recorte no tempo. Em dado momento, porém, um tênis All Star surge em cena. Em pleno século 18! Nos corredores do Palácio de Versalhes lâmpadas, em vez de velas, podem ser vistas. E estes são os erros que gritam menos aos olhos no longa-metragem. Há equívocos e omissões factuais muito maiores. Os franceses, inclusive, viraram o nariz para a obra da diretora norte-americana no renomado Festival de Cannes. Mesmo assim, há professores de história que têm se valido do cinema para ensinar a disciplina em sala de aula. A pergunta é: filmes ajudam ou atrapalham os alunos no aprendizado da matéria?

Assista ao trailer (em inglês) de Maria Antonieta

Filmes que contam
Pintora francesa Élisabeth-Louise Vigée-Le Brun retrata Maria Antonieta. Uma representação mais realista de como era a rainha.

Para o pesquisador norte-americano Andrew Butler, a resposta é “sim, mas com cuidado”. Ele ministrou uma experiência com alunos da Universidade de Washington, na cidade de Saint Louis (Estados Unidos): exibiu trechos de nove filmes – entre eles, Maria Antonieta – para os estudantes e ofereceu aos mesmos universitários textos didáticos correspondentes ao momento histórico da obra.

Os resultados foram apresentados no estudo Using popular films to enhance classroom learning (“Usando filmes populares para melhorar o ensino em sala de aula”).

Cada trecho de filme continha uma correção e uma incorreção histórica. De fato, o mais óbvio aconteceu: os alunos ficaram mais interessados na matéria depois da exibição dos longas, além de terem fixado o conteúdo com mais facilidade. Mas com um porém: a pesquisa chegou à conclusão de que, se não avisados do erro histórico que o filme contém, mesmo após a leitura do texto, os alunos tendem a fixar a incorreção.

“Os estudantes  reproduzem o erro do filme, muitas vezes com bastante confiança”

– Os estudantes frequentemente reproduzem o erro do filme, muitas vezes com bastante confiança. Mesmo que o erro seja totalmente contraditório à informação que os alunos leram no texto histórico. Às vezes, eles até acreditam que a incorreção está incluída no texto e não no filme – conta por e-mail o autor da pesquisa, Andrew Butler.

Portanto, a dica de Butler é: se for para passar filmes, antes da exibição é fundamental o professor advertir a turma das possíveis incongruências históricas que a obra possui. Com isso, segundo a pesquisa, os alunos ficarão mais atentos às incorreções e dificilmente cometerão erros.

Um professor brasileiro que usa filmes em suas aulas

Por aqui, também há educadores que vêm usando filmes em sala de aula. Um deles é Alexandre Valuzuela, professor de história do ensino fundamental e coordenador do ensino médio da Escola Eliezer Steinbarg-Max Nordau, no Rio de Janeiro (RJ). Ele, que também dá aulas em colégios públicos, ainda promove de tempos em tempos o projeto Cineclube Eliezer, aberto também às turmas das outras escolas em que ensina. Segundo Valuzuela, é importante tomar cuidado com o momento da exibição das obras: “Filmes não foram feitos para passar em vídeo, em uma condição inapropriada aos alunos, com sinal de recreio e com trinta amigos falando ao lado”.

Apesar da empolgação com o cinema, Valuzuela, assim como o pesquisador Andrew Butler, tem ressalvas em passar filmes aos alunos. Além de preferir levá-los a salas de exibição de verdade, o professor também carrega o medo de uma prática comum nos colégios: “Há vezes em que o professor não tem formação e usa o filme como muleta por não saber direito ensinar sobre o assunto ou mesmo por não querer dar a aula”.

“Há filmes que são tão didáticos que parecem ter sido feitos para passar na escola”

Por isso, sempre que possível, Valuzuela combina com um cinema exibidor e leva os alunos à sala escura. Ele acha que, com essas condições, o estudante fixa com muito mais naturalidade o conteúdo do filme. Apesar disso, o professor não se nega a passar trechos – ou até obras inteiras – em sala de aula.

“Há filmes que são tão didáticos que parecem ter sido feitos para passar na escola; um deles é Sonhos tropicais (2001)”, explica o educador, referindo-se ao filme de André Sturm sobre a vida do sanitarista Oswaldo Cruz. “Mas é importante sempre ter debate após a sessão, não há como passar filme sem debatê-lo”.

Assista a cenas de Sonhos tropicais

Valuzuela é admirador de cinema e basta uma conversa de 20 minutos com ele por telefone para notar. Curiosamente, cita Maria Antonieta como exemplo de filme que já passou para os alunos. Fã de Sofia Coppola, ele entende as licenças poéticas da diretora e elogia o que chama de “tentativa de resgatar a imagem da rainha”: “O filme é ótimo, vai contra a maioria da historiografia francesa”.

O professor ainda se refere a Silvio Tendler e Eduardo Escorel como documentaristas que produzem obras sólidas para se mostrar na escola. E revela uma idiossincrasia interessante: apesar de ser considerado um filme ‘cabeça’ e para adultos, Valuzuela acha O sétimo selo (1957) um ótimo longa para se exibir aos alunos. “Ingmar Bergman traduz de modo genial os tempos de Peste Negra”.

Filmes usados por Andrew Butler em seu estudo:

Amistad (1997)
Tombstone – A justiça está chegando (1993)
Maria Antonieta (2006)
Amadeus (1984)
Tempos de glória (1989)
U-571 – A batalha do Atlântico (2000)
Elizabeth (1998)
Fora da jogada (1988)
O último samurai (2003)


Thiago Camelo
Ciência Hoje On-line