Física de partículas ganha álbum de família

No início, havia o átomo indivisível de Demócrito ( a-tomo ). Para destruir a elegância dessa idéia lançada na antiga Grécia, o inglês Joseph Thomson descobriu o elétron no fim do século 19 e no início do século 20 o neozelandês Ernest Rutherford identificou partículas carregadas positivamente no núcleo dos átomos enquanto estudava radioatividade. O nêutron só apareceu na década de 1930, mas as pesquisas abriram espaço para que outros componentes da matéria fossem identificados a partir daí.

Atualmente sabe-se que até os prótons e nêutrons não são indivisíveis porque são formados por quarks. Já foram identificadas 16 partículas elementares, divididas em três categorias: quarks, léptons e bósons. Os quarks formam os prótons e nêutrons, os léptons são partículas leves que não interagem através da força forte e os bósons mediam as forças entre a matéria.

Agora, para colocar ordem na casa, uma professora da Universidade Estadual Paulista (Unesp) lança um álbum de família que apresenta cada membro dessa galeria. Em O discreto charme das partículas elementares , Maria Cristina Batoni Abdalla resume todas as descobertas importantes para o desenvolvimento da física de partículas, além de descrever a formação do atual paradigma dessa ciência.

A autora, que já trabalhou no Conselho Europeu para Energia Nuclear (Cern), é especializada em física teórica de altas energias. Por isso demonstra grande intimidade com o tema e consegue explicar com clareza como os físicos do século 20 chegaram à descoberta das partículas atualmente conhecidas. Ela explica também a evolução e o funcionamento dos aceleradores de partículas – máquinas essenciais para o estudo desses objetos.

O Cern merece especial atenção do livro devido à importância do Grande Colisor de Hádrons para identificar o bóson de Higgs, uma das poucas partículas do Modelo Padrão – paradigma que descreve as forças e partículas fundamentais – que ainda não foram observadas. Acredita-se que esse bóson seja responsável pela massa do universo.

Abdalla descreve a teoria mais aceita entre os cientistas para a formação do universo – a grande explosão inicial, conhecida como Big Bang – e a posterior expansão acelerada da matéria, chamada de inflação. Abdalla descreve a evolução da temperatura e da densidade de matéria com o passar de cada pequeno período de tempo (da ordem de milésimos de milésimos de milésimos de segundo) após o Big Bang.

Cada partícula elementar se torna um personagem irreverentemente ilustrado por Sergio Kon. Acima, a formação completa da “Família Elementar da Silva”.

No entanto, o livro deixa claro que há muita coisa não esclarecida no modelo atual. Cerca de 96% do universo corresponde a uma espécie de matéria e de energia que ainda não foram observadas diretamente – algo que os físicos chamam de energia escura e matéria exótica, também conhecida como matéria escura.

Um ponto forte do livro são as ilustrações bem-humoradas de Sergio Kon, que chegam a ser exageradas por vezes. Cada partícula apresentada se torna um personagem irreverentemente ilustrado, para que o leitor o associe às informações do texto. Depois da apresentação de todos os “membros da família”, Abdalla e Kon reúnem as figuras num único desenho, que retrata a “Família Elementar da Silva”, como foi batizada.

Apesar de algumas explicações pouco acessíveis ao leigo, Abdalla faz analogias pertinentes que facilitam a compreensão por parte de leitores menos familiarizados com o tema. O discreto charme das partículas elementares insere o leitor na evolução do conhecimento da disciplina de uma forma didática e interessante. Por isso quem gosta de física, principalmente na área de altas energias, ganhou uma nova leitura obrigatória. 

O discreto charme das partículas elementares
Maria Cristina Batoni Abdalla (ilustrações: Sergio Kon)
São Paulo, 2006, Editora Unesp
Tel: (11) 3242-7171
344 páginas – R$ 90,00

Franciane Lovati
Ciência Hoje On-line
22/06/2006