O futebol chegou ao Brasil no final do século 19, trazido de colégios europeus por jovens da elite local. Paradoxalmente, porém, foi a entrada no esporte das classes populares, em especial negros e mestiços, que marcou a passagem do amadorismo para o profissionalismo e também o estilo brasileiro de jogar — o chamado ’futebol-arte’. Após as derrotas nas Copas do Mundo de 1950 e 1954, o uso de teorias racistas anteriores serviram para criticar esse futebol ’mestiço’, atribuindo aos jogadores negros e mulatos um suposto desequilíbrio emocional para os jogos decisivos.
O Rei Pelé , 1997 – acrílico sobre tela – por
Rubens Gerchman (reprodução – CH 39)
A inversão desses estigmas veio em 1958, quando o Brasil conquistou sua primeira Copa, e as vitórias em 1962 e 1970 aumentaram a fama mundial do futebol brasileiro. Apesar disso, o estilo alegre de um futebol eficiente, mas com o gosto pelos dribles e malabarismos, tem estado em tensão permanente com táticas impostas por técnicos e outros profissionais do esporte que tendem a privilegiar o estilo defensivo europeu. O futebol brasileiro mantém assim conflitos mais ou menos silenciosos, relacionados à presença, em uma área valorizada pela identidade nacional, de jogadores vindos massivamente das classes populares.
Na Inglaterra, a popularização e profissionalização do futebol, a partir da segunda metade do século 19, foi rápida. Em vários países, entre eles o Brasil, esse processo ocorreu 50 anos mais tarde, no início do século 20. Britânicos de diversas classes já jogavam futebol, mas foram sobretudo as elites que levaram o esporte para fora das fronteiras inglesas. Essa ’exportação’ ocorreu de três formas: o intercâmbio entre as elites inglesas e de outros países ocorrido em escolas inglesas e européias, a disseminação da prática esportiva organizada por empresas inglesas com filiais no exterior, e a difusão mundial dos clubs (ou clubes), forma de convívio social inglesa, originalmente de elite.
No Brasil não foi diferente. O esforço quase ’missionário’ de jovens oriundos da colônia local de ingleses e, depois, dos jovens de elite brasileiros — ex-estudantes na Inglaterra, Suíça ou Alemanha — criou equipes em clubes pré-existentes ou fundou clubes de futebol. Importado como prática e moda da elite inglesa moderna, muitos dos clubes de futebol reproduziam em campo e na arquibancada uma seleção social que reunia famílias das elites do Rio e de São Paulo. Os clubes eram um lugar urbano de sociabilidade onde se prolongava, através de atividades físicas e esportivas, o ambiente dos salões e saraus da classe dominante dos ’sobrados’ do início do século.
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artigo originalmente publicado em
Ciência Hoje 139, junho 1998
José Sergio Leite Lopes
Museu Nacional,
Universidade Federal do Rio de Janeiro