Minha coluna deste mês, publicada no último dia 2, trata dos fundamentos e aplicações do entrelaçamento quântico, tema que motivou a concessão do Prêmio Nobel de Física deste ano. O entrelaçamento é um fenômeno que se refere à correlação entre propriedades físicas de dois ou mais sistemas quânticos, ou seja, partículas separadas e distantes entre si se mantêm conectadas e compartilham informações e características. Dessa forma, qualquer alteração nas propriedades de uma partícula afeta as da(s) outra(s).
Até hoje, as realizações práticas desse fenômeno foram implementadas com fótons polarizados em eixos perpendiculares. Mas, no mesmo dia em que a coluna foi ao ar, a revista Science publicou um artigo, de autoria de Anton Zeilinger e colaboradores, da Universidade de Viena (Áustria), com resultados experimentais da obtenção de um novo e instigante tipo de entrelaçamento.
Em vez da polarização dos fótons, eles usaram o momento angular orbital, uma propriedade muito similar ao momento angular de objetos clássicos, grandeza física associada à rotação de um corpo em torno de um eixo.
No caso de fótons, o momento angular orbital manifesta-se quando a frente de onda eletromagnética (conjunto de pontos do ambiente que está no limite entre a região que sofre perturbação da onda e aquela não perturbada) gira em torno da direção de propagação do feixe de luz. Quanto mais rápido a frente de onda gira, maior o momento angular orbital, que representa o número de rotações no espaço de um comprimento de onda e é simbolizado pela letra ‘L’.
Fótons entrelaçados
Um modo relativamente simples de promover esse comportamento é fazer um feixe de laser incidir sobre determinados tipos de cristais. Esse processo resulta, naturalmente, em alguns poucos fótons entrelaçados via momento angular orbital. No entanto, nesses casos, o número de rotações por comprimento de onda é de, no máximo, 20.
Zeilinger e seus colaboradores conseguiram um momento angular orbital de 300, um número suficientemente grande para se pensar na aplicação da técnica em objetos macroscópicos no futuro, mas ainda pequeno para fazer girar qualquer objeto, por menor que seja.
O pulo do gato da equipe austríaca foi usar um modulador espacial de luz. Trata-se de uma fina película de determinado material – como o cristal líquido, entre outros – capaz de alterar a fase de um feixe de luz incidente. Não se preocupe em entender o que significa ‘fase de um feixe de luz’, o importante aqui é saber que, se o feixe for polarizado, o material fará com que a frente de onda do feixe refletido gire em torno de seu eixo de propagação.
Mais importante ainda é que dois feixes com polarizações perpendiculares entre si geram frentes de onda com ângulos de rotação contrários. Dessa forma, assim como acontece no entrelaçamento de polarizações contrárias, se uma rotação de um feixe for invertida, automaticamente a do outro também será.
O que o grupo de Zeilinger fez foi dividir um feixe de laser em dois, com polarizações perpendiculares, e depois transformar cada um deles em feixes com momentos angulares orbitais de sentidos contrários. Os pesquisadores então inverteram a rotação de um dos feixes e observaram que a rotação do outro também se inverteu, comprovando, assim, que esses feixes estavam entrelaçados.
Essa façanha pode dar origem ao entrelaçamento de objetos macroscópicos. No futuro, esse fenômeno poderá ser usado no desenvolvimento de computadores quânticos, dotados de uma supercapacidade de processamento de informações.
Carlos Alberto dos Santos
Professor-visitante sênior da Universidade Federal da Integração Latino-americana