Um pouquinho do prêmio Nobel de Física deste ano está na sua casa. E na minha. E na de todas as pessoas com qualquer equipamento tecnológico moderno. Isso porque os laureados, os japoneses Isamu Akasaki, Hiroshi Amano e Shuji Nakamura (este último naturalizado norte-americano), receberam o prêmio pela invenção de “uma nova fonte de luz eficiente e sustentável, o diodo LED de luz azul”, passo fundamental para a criação do LED branco e de alternativas de iluminação mais modernas, econômicas e potentes para o próximo século.
Não é sempre que a premiação consagra algo tão palpável e próximo de nosso dia a dia – que dirá o inefável bóson de Higgs, cuja concepção foi laureada em 2013, por exemplo. Até o perfil de Nakamura é atípico para um prêmio quase sempre concedido a acadêmicos: ele trabalhava na pequena companhia Nichia Chemicals na época da invenção, enquanto Akasaki e Amano estavam na Universidade de Nagoia (Japão). Em 2006, a revista Ciência Hoje entrevistou Nakamura, que falou sobre seu trabalho e sobre suas expectativas a respeito dos possíveis usos do LED no futuro.
Seja como for, a edição deste ano tem aplicações muito diretas no nosso mundo moderno e, provavelmente, terá importância crescente nos próximos anos. Segundo o comitê responsável pelo prêmio, o diodo LED marcará o século 21 e reflete o ‘espírito de Alfred Nobel’ de fazer invenções que geram grande benefício à humanidade.
Para o engenheiro Henrique Antônio Carvalho Braga, da Universidade Federal de Juiz de Fora, em Minas Gerais, a premiação da invenção do LED de luz azul poderia ser comparada, pela guinada que promoveu nessa área da tecnologia, a láureas concedidas a inventos como o transistor, que promoveram grandes mudanças de paradigmas. “A descoberta é o marco inicial de uma revolução, pois foi fundamental para a criação do LED de luz branca, necessário para aplicações de iluminação em geral”, avalia.
Do azul para o branco
O funcionamento da tecnologia LED (sigla em inglês para Light Emitter Diode) se baseia no fenômeno da eletroluminescência, ou seja, a emissão de luz pela passagem de corrente elétrica por um material semicondutor. O LED funciona de forma bem diferente das lâmpadas tradicionais, que utilizam filamentos metálicos aquecidos, descargas de gases e outros expedientes para produzir luz.
Sua história remonta à década de 1960, quando o primeiro LED foi inventado – na cor vermelha e ainda com baixa intensidade luminosa. Nas décadas seguintes, surgiram outras cores, como verde e amarelo, mas só o trabalho dos laureados utilizando nitrito de gálio como semicondutor, no início da década de 1990, permitiu a criação de luzes LED com comprimentos de onda menores, como o azul, ‘fechando’ o espectro luminoso.
“A partir daí, a tecnologia pôde ser utilizada para produzir luz branca, pela mistura de azul, vermelho e verde ou pela utilização apenas do LED azul em lâmpadas revestidas com fósforo, que decompõe parte do azul em cores de maior comprimento de onda (vermelho e verde) e cria o branco a partir da sua mistura”, explica Braga.
As luzes LED têm uma série de vantagens em relação às fontes tradicionais – em especial, uma vida útil muito maior e grande eficiência em relação à quantidade de luz emitida por energia consumida. De forma geral, elas podem durar até 100 mil horas, contra apenas mil das lâmpadas incandescentes e 10 mil das fluorescentes. Hoje, suas aplicações vão da iluminação dos visores de cristal líquido de smartphones e TVs a faróis de carros. O LED branco vem sendo muito estudado como alternativa para iluminação pública, inclusive no Brasil, por sua alta luminosidade e consumo reduzido.
Como destacou o comitê do Nobel, uma vez que um quarto do consumo de energia do mundo está relacionado à iluminação, a tecnologia pode contribuir muito para preservar os nossos recursos naturais. “O impacto da adoção dessas luzes pode ser enorme, com a redução do consumo de energia e da emissão de gases de efeito estufa”, avalia o engenheiro Marco Antônio Dalla Costa, da Universidade Federal de Santa Maria (RS).
O LED ainda tem outras vantagens ecológicas: ao contrário das lâmpadas fluorescentes, não possui mercúrio ou qualquer elemento que possa causar dano à natureza. Além disso, pode ser alimentado facilmente com energia solar, o que permite melhorar a qualidade de vida de 1,5 bilhão de pessoas que não têm acesso à energia elétrica.
Gargalos e perspectivas
Além de suas muitas vantagens, a tecnologia LED tem trunfos adicionais: está em evolução acelerada e tem um grande potencial ainda inexplorado. “Hoje, há lâmpadas que produzem cerca de 150 lúmens [unidade de intensidade luminosa] por watt, o que já é mais eficaz do que qualquer outra existente, mas acredita-se que podemos chegar a 200 ou 300 lúmens por watt”, destaca Costa.
O desperdício envolvido na iluminação também pode diminuir. “A tecnologia LED não produz luz ultravioleta, como a incandescente, nem envolve aquecimento intenso, então pode ser possível aproveitar próximo de 100% da energia total”, analisa Costa. “Hoje, no entanto, a eficiência ainda é bem menor, pois há perda de energia na forma de calor, o que pode ser aprimorado com a melhora do semicondutor empregado no processo.”
Para concretizar o grande potencial da tecnologia LED, Braga lembra que é preciso resolver gargalos técnicos que ainda dificultam sua exploração comercial – em especial equacionar custo e confiabilidade. As lâmpadas incandescentes (que vêm pouco a pouco sendo proibidas no mercado por sua baixa eficiência energética, inclusive no Brasil) custam cerca de 2 reais, enquanto uma luz LED pode custar de 40 a 80 reais. “Talvez o apelo ecológico possa ajudar a superar a barreira inicial do preço, mas é preciso garantir a durabilidade dos produtos para que haja economia de fato”, avalia Braga.
Nesse sentido, Costa ressalta a necessidade de aprimorar também componentes do sistema – assim como a luz fluorescente precisa de um reator para dar início ao processo de geração luminosa, o LED depende de componentes eletrônicos. “Com lâmpadas que duram 10 mil, 20 mil horas, isso não era um problema, mas com fontes LED que podem chegar a mais de 50 mil horas, é possível que elas tenham uma vida maior do que o componente eletrônico associado, o que não pode acontecer”, pondera.
Além disso, o LED ilumina de forma muito mais pontual, diferente das lâmpadas usadas atualmente, o que é ruim para fins de iluminação em geral. “Por isso, é preciso um trabalho intenso de engenharia e de ótica, com o estudo de melhores arranjos geométricos das fontes luminosas e o uso de lentes específicas para reproduzir efeito similar ao das lâmpadas comuns”, diz Braga. Seja como for, a laureada invenção do LED de cor azul parece ter sido mesmo o estopim de uma revolução na iluminação do próximo século – e ter garantido à humanidade um futuro mais brilhante pela frente.
Marcelo Garcia
Ciência Hoje On-line