Madura e pronta para críticas

Dois momentos distintos marcaram o segundo evento organizado pelo Instituto Ciência Hoje (ICH) na 63ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência: o de celebração das possibilidades da internet e o de cuidado em relação aos caminhos que a rede pode tomar. (Leia matéria sobre o primeiro evento – uma conferência do arquiteto Sérgio Magalhães a respeito dos desafios das cidades).

Realizada na segunda-feira à tarde (11/07), a mesa-redonda sobre “redes sociais e cidadania” reuniu a socióloga Christiana Soares de Freitas, da Universidade de Brasília, o cientista social Marcus Abílio Pereira, da Universidade Federal de Minas Gerais, e o jornalista da revista Piauí e ex-editor da Ciência Hoje On-line Bernardo Esteves, com a mediação do físico Alberto Passos Guimarães, diretor adjunto do ICH.

“Mesmo os mais pessimistas sobre a rede não podem negar que houve uma alteração na estrutura do poder”

Apesar das divergências existentes sobretudo quanto à preocupação com os rumos da internet, para o cientista social Marcus Abílio Pereira, há pelo menos um fato consolidado: a rede mundial de computadores provocou mudanças. “Mesmo os mais pessimistas sobre a rede não podem negar que houve uma alteração na estrutura do poder”, afirmou o pesquisador.

E aí vem um caminhão de evidências. Os três palestrantes apresentaram exemplos de manifestações recentes ao redor do mundo que tiveram início na internet ou usaram as redes sociais como combustível; manifestações que partiram de grupos, maiores ou menores, de cidadãos sem força política oficial. Não eram políticos ou representantes do Estado. Eram apenas pessoas com vontade de mudança e, agora, com meios de se fazer ouvir.

Foram mencionadas mobilizações tanto de âmbito nacional – os levantes populares na Tunísia e no Egito – quanto de caráter regional – as famosas ‘marchas’ que se espalharam no Brasil, como ‘a da maconha‘ e ‘a da liberdade‘.

Ainda houve referência a instituições de caráter supranacional, como a Wikileaks, organização que divulga documentos secretos no mundo virtual que acabam ‘jogando lenha’ em denúncias que estimulam revoluções bem reais. 

“O que vemos é uma crise na democracia representativa”, disse a socióloga Christiana Soares de Freitas. “Os mais jovens, atualmente, perderam a confiança nos políticos, nas representações mais convencionais de poder.”

“Sim, concordo, há pesquisas que confirmam que a maioria dos jovens envolvidos nas manifestações é apartidária”, completou Marcus Abílio Pereira.

Assim, concluem, esses jovens sem partido ou político com os quais se identifiquem, mas com vontade política, teriam o ‘atalho’ da rede e não precisariam mais passar pela mediação de produtores e distribuidores de conteúdo convencionais, como os grandes conglomerados jornalísticos.

Poréns

É nesse ponto que se levanta a questão: uma rede que é agora capaz de derrubar regimes, mudar e ditar tendências não merece ser debatida com um olhar verdadeiramente crítico?

“Os homens que fizeram as barricadas na praça Tahrir e as defenderam quando chegaram os rufiões a cavalo não eram usuários do Twitter; eram Irmãos Muçulmanos”

Os palestrantes parecem convergir na resposta: o jornalista Bernardo Esteves citou o trecho do texto publicado na Piauí pelo escritor Adam Shatz, que diz: “os homens que fizeram as barricadas na praça Tahrir e as defenderam quando chegaram os rufiões a cavalo não eram usuários do Twitter; eram Irmãos Muçulmanos, cujas visões muito diferentes do futuro do Egito terão de ser levadas em conta, e não apenas como um perigo a ser evitado”.

Para Esteves, há que se relativizar se as manifestações que ocorrem no Twitter são fruto de ações tão populares e, portanto, tão democráticas quanto se especula.

“Há os ‘militantes internautas ocasionais’, que escolhem sobre o que protestar ‘sem custos’ e de modo à la carte, sem muita responsabilidade”, acrescentou Marcus Abílio Pereira.

Pereira finalizou o seu raciocínio com uma conclusão e uma pergunta que sintetizam bem o teor da mesa. “A democracia é um conceito em aberto, não só aberto, mas em disputa, e a internet faz parte disso, para o bem e para o mal.”

A pergunta: “Como melhorar a qualidade desse espaço fundamental de debate, discussão e participação?”

Assista ao vídeo exibido por Bernardo Esteves sobre a ‘marcha da liberdade’ em Belo Horizonte 

 

Thiago Camelo
Ciência Hoje On-line

Acompanhea cobertura completa da 63ª Reunião Anual da SBPC e confira a galeria deimagens do evento.