Bem cotado na França, mas praticamente desconhecido para além de sua terra natal, o escritor Patrick Modiano foi laureado nesta manhã com o prêmio Nobel de Literatura.
Modiano nasceu em 30 de julho de 1945, no subúrbio de Paris, poucos meses depois do fim da Segunda Guerra Mundial – filho de um judeu italiano e de uma belga, que namoravam clandestinamente quando a capital francesa era ocupada pelos nazistas. A ocupação alemã deixou marcas profundas na obra de Modiano. Sua literatura fala sobre o mundo judeu; sobre a perda de identidade; sobre memória e esquecimento.
“Não é um escritor difícil”, disse Peter Englund, secretário-geral da Real Academia Sueca de Ciências. “Ele escreve em linguagem simples e ao mesmo tempo as composições dos romances são muito elegantes”, elogiou o secretário, durante o anúncio do prêmio. No texto oficial da premiação, lê-se que Modiano foi laureado “pela arte da memória com a qual evocou os destinos humanos mais inapreensíveis e revelou o mundo da ocupação [nazista na França]”.
A obra
Modiano é considerado um dos mestres da literatura francesa contemporânea – consagrado por seus romances. No Brasil, sua arte é pouco conhecida. Mas meia dúzia de títulos já ganharam traduções no país.
Pela editora Rocco, temos Ronda da noite, Uma rua de Roma, Meninos valentes, Do mais longe do esquecimento e Vila triste. São todas edições antigas – estão esgotadas. Com sorte, podem ser encontradas em sebos. Sua obra mais recente editada em nosso idioma é Filomena Firmeza, publicada este ano pela Cosac Naify. Em Portugal, há outras opções: A rua das lojas escuras, publicado pela editora Relógio d’Água; Domingos de agosto e Um circo que passa, ambos pela Publicações Dom Quixote; Dora Bruder e No café da juventude perdida, lançados pela Edições Asa.
“Modiano foi um dos primeiros escritores franceses a explorar o período da guerra na literatura de seu país”, diz Euridice Figueiredo, professora do Programa de Pós-Graduação em Estudos de Literatura da Universidade Federal Fluminense (UFF). “Seu primeiro romance, La place de l’ètoile, de 1968, foi escrito em um momento em que, na França, praticamente não se falava da ocupação nazista, da deportação de judeus franceses para os campos de concentração”, contextualiza a estudiosa. “Modiano faz um trabalho de rememoração desse passado traumático para os franceses.”
Outro importante romance que consagrou o autor foi Rue des boutiques obscures, de 1978, cujo título em português acabou ficando como Uma rua de Roma ou A rua das lojas escuras. O livro foi agraciado com o Grande Prêmio de Romance da Academia Francesa – reconhecimento que, já na década de 1970, colocou o nome de Modiano entre os mais reputados autores da língua francesa.
“É a história de um homem que sofre de amnésia”, conta Figueiredo. “A escrita é interessante: mostra como esse personagem vai atrás de suas memórias. Ele sequer lembra seu próprio nome. E, nessa jornada de busca, ele procura pessoas que o podem auxiliar no redescobrimento de seu passado.” Em 2013, Figueiredo publicou um artigo comparando esse romance a outro, Austerlitz, do escritor alemão Winfried Georg Sebald. Há paralelos entre essas duas produções literárias.
Segundo a pesquisadora, é esperado que a obra de Modiano agora se torne mais conhecida e, portanto, editada em diversas línguas. Hoje, na página virtual da Fundação Nobel, os organizadores lançaram uma enquete: “Você já leu algum trabalho de Modiano?”, pergunta-se. Das mais de quatro mil respostas, 92% eram negativas.
Modiano vive em Paris. Ele é avesso a entrevistas.
Desde 1901, o prêmio Nobel de Literatura já foi concedido a 111 escritores. Lidera a lista a produção literária de língua inglesa, com 27 autores laureados. Em seguida, vem a francesa, com 14; a alemã, com 13; a espanhola, com 11; e a de língua sueca, com 7 premiações. Em português, o único escritor a ter ganhado um Nobel foi o lusitano José Saramago, em 1998.
Curiosidade: em duas ocasiões, o Nobel de Literatura já foi recusado. Em 1958, o russo Boris Pasternak (1890-1960), após ter aceitado o reconhecimento, foi obrigado pelas autoridades de seu país a declinar a premiação. O segundo caso foi o do filósofo francês Jean-Paul Sartre (1905-1980). Em 1964, não aceitou o Nobel de Literatura porque tinha um hábito peculiar: sistematicamente recusava-se a receber qualquer tipo de honraria oficial.
Henrique Kugler
Ciência Hoje On-line