Menina de ouro

A notícia de que uma jovem brasileira venceu um campeonato mundial de energia nuclear pegou muita gente de surpresa – inclusive a própria. “Arregalei os olhos, coloquei a mão na boca e pensei: ‘Meu Deus, não acredito’”, conta Alice Cunha da Silva. No último dia 17, a estudante de 25 anos recebeu das mãos do diretor-geral da Agência Internacional de Energia Atômica, Yukiya Amano, o troféu de campeã da Olimpíada Nuclear 2015, cuja fase final foi realizada em Viena, na Áustria.

Aluna de engenharia nuclear na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Silva era a única candidata das Américas e única mulher entre os cinco finalistas da competição de estudantes, organizada pela Universidade Nuclear Mundial (WNU, na sigla em inglês). Na última fase, superou dois concorrentes da Índia, um da Malásia e um das Filipinas na tarefa de produzir um trabalho escrito e uma apresentação sobre a produção de radioisótopos (ou isótopos radioativos) e suas múltiplas aplicações além da geração de energia.

A caminhada rumo ao título começou inspirada por um momento delicado na família. “Meu foco na faculdade sempre foi a área energética, mas a Olimpíada não abrangia esse setor. Escolhi então falar sobre a área de medicina nuclear, pois minha avó estava passando por tratamentos de radioterapia”, conta a estudante.

Na primeira fase da competição, Silva produziu um vídeo sobre o uso de radiofármacos, substâncias que emitem radiação e são utilizadas na medicina nuclear para exames de diagnóstico por imagem e radioterapia. Como os vídeos mais populares garantiriam uma vaga na final, a jovem tratou de mobilizar a rede de contatos e se classificou com 15 mil “curtidas”, o triplo do segundo colocado. 

Premiados na olimpíada de energia nuclear
Dirigentes da WNU posam com finalistas da competição. Brasileira foi a única mulher e única representante das Américas na decisão. (foto: divulgação/WNU)

Segundo a estudante, o envolvimento intenso com a engenharia nuclear desde o início da vida acadêmica fez toda a diferença na hora de participar da competição. Silva ajudou a fundar uma seção latino-americana e estudantil na Sociedade Nuclear Americana (ANS, em inglês). “Estar envolvida com organizações na área nuclear me deu liberdade de pedir ajuda a elas para divulgar o vídeo”, afirma. Já classificada, ela contou com a experiência adquirida em outros eventos acadêmicos internacionais para conter o nervosismo. “Apresentar trabalhos constantemente me ajudou a ir bem na final”, acredita.

Interesse por acaso

Além do trabalho junto à ANS, Silva passou um ano no Departamento de Engenharia Nuclear da Universidade Estadual da Pensilvânia e estagiou em uma multinacional americana – trajetória surpreendente para quem decidiu se aventurar na engenharia nuclear quase por acaso, após um estágio como técnica em informática. “Eu consertava os computadores dos funcionários do Instituto Brasileiro da Qualidade Nuclear que trabalhavam na Central Nuclear Almirante Alberto [formada pelas usinas nucleares Angra 1, Angra 2 e Angra 3, no sul fluminense]. Foi assim que a curiosidade pelo setor surgiu”, relembra. Ao entrar na faculdade, a estudante ficou impressionada pelas aplicações e possibilidades da carreira. “Na primeira semana de aula, me informando sobre as áreas com os professores, comecei a me apaixonar pelo curso”, diz.

Enquanto comemora a conquista, Silva faz planos para um futuro próximo: no último ano da faculdade, ela pretende trabalhar no setor de energia e ingressar em um mestrado. Outra prioridade é garantir que talentos como o seu não precisem contar com a sorte para ingressar na área – para isso, deseja intensificar o trabalho de divulgação da engenharia nuclear, principalmente entre os jovens do ensino médio. “Se essa visibilidade que eu conquistei despertar pelo menos uma curiosidade dos estudantes, já fico feliz”, garante. “Ao se informar, eles podem perceber a abrangência que esse campo tem e decidir pela carreira”.

Empresas brasileiras – assim como ocorre em outros países – vêm enfrentando dificuldades para encontrar jovens qualificados

Esforços nessa direção são bem vindos, já que empresas brasileiras – assim como ocorre em outros países – vêm enfrentando dificuldades para encontrar jovens qualificados. “A faixa etária dos profissionais atualmente no mercado é avançada. Hoje já começa a existir alguma renovação dos quadros – temos excelentes cursos de formação –, mas ainda é preciso atrair os jovens”, confirma Marcelo Gomes da Silva, vice-presidente da Associação Brasileira de Energia Nuclear (Aben).

Segundo o dirigente, o feito de Alice deverá ser um dos principais assuntos nas rodas de conversa durante a 7ª edição da Conferência Internacional Nuclear do Atlântico (Inac, na sigla em inglês), que acontecerá na próxima semana em São Paulo. “Apesar de todas as dificuldades, ver o reconhecimento internacional de uma jovem dedicada como ela traz um sopro de ânimo para todo mundo, inclusive quem está no mercado há mais tempo. Alice é uma inspiração para a engenharia nuclear brasileira”, elogia.


Simone Evangelista
Especial para a CH On-line