Na frente de extração

Na linguagem dos trabalhadores da indústria de carvão, ‘baixar a mina’ significa adentrar uma galeria subterrânea de extração do mineral. Tradicionalmente, isso é feito em um elevador ou em um carrinho que se desloca sobre trilho em um plano inclinado.

Com episódios recentes de desabamento de minas subterrâneas na memória, baixei uma mina em Içara, no extremo sul catarinense. A descida na mina 101 (que tem esse nome por estar instalada às margens da BR de numeração idêntica) é diferente, por meio de escadas – são 300 degraus até chegar aos 60 metros de profundidade.

Com episódios recentes de desabamento de minas subterrâneas na memória, baixei uma mina em Içara, no extremo sul catarinense

Antes de baixar a mina, recebi capacete, botas, lanterna, máscara de respiração, protetores auriculares e uma pequena caixa metálica que devia ser presa ao cinto. A embalagem continha ar comprimido, que deveria ser usado em caso de emergência. Havia oxigênio suficiente para meia hora de respiração em ritmo normal – caso corresse, a reserva se esgotaria mais rapidamente.

Fui orientado ainda a caminhar no meio dos corredores, para evitar o risco de acidentes em caso de desprendimento de rochas das paredes das galerias; e a sinalizar com facho de luz caso deparássemos com veículos se deslocando em nossa direção, entre outras instruções de segurança.

O último requisito era assinar um documento que isentava a empresa de qualquer responsabilidade no caso de acidentes causados pelo não cumprimento das instruções. Em outras palavras: entraria lá por minha conta e risco.

Entrada da Mina 101
Vista da ‘boca’ da mina 101, considerada a mais moderna do país: 30 lances de 10 degraus ligam a superfície ao subsolo. (foto: Célio Yano)

Impressão positiva

No momento em que se chega ao subsolo, qualquer tipo de apreensão desaparece. Temperatura, umidade, iluminação e ventilação no interior da mina são agradáveis. Exceto pelo barulho ensurdecedor das máquinas em funcionamento, que impede qualquer tipo de conversa, a visita chega a ser divertida.

O chão é completamente encharcado, por causa da grande quantidade de água utilizada na frente de extração. O líquido serve para evitar que partículas de carvão fiquem em suspensão no ar e sejam inaladas pelos trabalhadores.

Exceto pelo barulho ensurdecedor das máquinas em funcionamento, que impede qualquer tipo de conversa, a visita chega a ser divertida

O risco de desabamento é pequeno. A abertura de corredores é feita de modo a deixar pilares de rocha original e há estruturas metálicas presas por todo o teto capazes de suportar toneladas.

O complexo que abrange a boca da mina 101 tem ainda um barracão para o primeiro beneficiamento do carvão e uma unidade de tratamento da água utilizada na extração. A empresa responsável, Rio Deserto, garante cumprir todas as normas ambientais. O passivo gerado – rejeitos da separação do carvão do material bruto extraído – serão devolvidos ao subsolo ao fim da exploração da área, afirma a companhia.

Mina modelo

Mas que o leitor não se engane: a mina 101 é exceção à regra. É considerada modelo justamente por ser única no país em termos de tecnologia, segurança e sustentabilidade. Lá, grande parte da operação é feita por máquinas – da extração do carvão das paredes da mina ao transporte à superfície. Mas ainda há no Brasil minas que são abertas com o uso de explosivos, e acidentes são corriqueiros no setor.

Entorno da mina 101
Vista do entorno da mina 101. Maquinário semelhante a uma roda d’água (ao centro) traz à superfície o material lavrado no subsolo, que posteriormente é depositado em um barracão onde será feito o beneficiamento. (foto: Célio Yano)

Além disso, há uma grande controvérsia em Içara desde que o projeto de instalação da mina na cidade foi apresentado. Agricultores da região reclamam que a mineração tem prejudicado as plantações, das quais mais de 300 famílias dependem para sobreviver.

A atividade de mineração no Brasil se concentra na região Sul, principalmente nos estados de Santa Catarina e Rio Grande do Sul. O material extraído em território brasileiro é considerado de má qualidade: 75% do que é lavrado é considerado rejeito e descartado.

Termelétricas movidas a carvão mineral estão entre as fontes de geração de energia mais poluentes do mundo e respondem por apenas 1,9% da matriz elétrica nacional. Ambientalistas questionam a necessidade dessas usinas no Brasil, mas, no momento, todas operam a pleno vapor para suprir a demanda energética, diante do baixo nível dos reservatórios das hidrelétricas, das quais o país depende majoritariamente.

Célio Yano
Ciência Hoje On-line/ PR