Na intimidade dos números

É possível escrever regularmente sobre matemática na imprensa de forma apaixonada e descomplicada. Esta será provavelmente a conclusão do leitor que chegar ao fim das 50 crônicas reunidas no livro A vida secreta dos números, recém-lançado no Brasil. Os textos, originalmente publicados no jornal suíço Neue Zürcher Zeitung (NZZ), oferecem um panorama instigante dos grandes e pequenos problemas que os matemáticos enfrentam em seu dia-a-dia.

A imagem fascinante que os textos passam do mundo dos números só poderia ser construída por alguém que tem intimidade com a matéria – caso do autor, o suíço George Szpiro, com formação completa até o doutorado em matemática e áreas afins. Ao mesmo tempo, o estilo fluido e envolvente de seus textos requer também familiaridade com o universo das letras, que Szpiro adquiriu ao longo de anos como correspondente do NZZ em Jerusalém, após ter desistido da carreira acadêmica.

Unir a paixão pela matemática e pelo jornalismo foi uma questão de tempo. Após obter a autorização de seu editor para cobrir uma conferência sobre matemática em Israel, o autor começou a escrever regularmente sobre o tema, até que ganhou uma coluna mensal na edição dominical do NZZ – a “Pequena tabuada de Szpiro”.

Uma seleção desses textos é o que o leitor brasileiro tem agora à sua disposição. As crônicas têm estilo e formato jornalístico – são curtas e, no livro, ocupam em média quatro ou cinco páginas cada. Os textos são autônomos e podem ser lidos de forma independente, mas foram agrupados em blocos temáticos.

A primeira parte reúne ensaios sobre história da matemática e tem como destaque uma crônica sobre as inacreditáveis rixas que marcaram a trajetória da família Bernoulli – um clã de matemáticos suíços tão brilhantes quanto problemáticos dos séculos 17 e 18. Uma seção inteira é dedicada a discutir problemas não resolvidos da matemática, e uma outra apresenta a vida e obra de grandes matemáticos, como o norueguês Niels Henrik Abel (1802-1829).

Matemática contemporânea
Mas Szpiro não restringe seus temas a questões históricas. A matemática contemporânea também é o foco de várias crônicas. Ele discute, por exemplo, a trajetória do britânico Stephen Wolfram, não sem fazer uma crítica irônica e sutil à sua pretensão e à máquina de publicidade erguida por ele para promover as teorias que lançou no livro A new kind of science.

Uma das crônicas discute uma questão que divide os matemáticos atualmente: o uso de computadores para a demonstração de conjecturas e para a verificação de provas – um trabalho que, executado por humanos, poderia durar anos ou sequer poderia ser levado a cabo. Alguns especialistas são entusiastas dessa nova ferramenta; outros, mais refratários, vêem com desconfiança as provas que não sejam feitas segundo o método convencional, consagrado em milênios de busca matemática.

Szpiro explora a interface da matemática com inúmeros campos de conhecimento, como a ciência política ou o direito, e discute questões cotidianas que envolvem números. Em uma dessas crônicas, o autor tenta, a partir da estatística e da probabilidade, convencer os apostadores de que jogar na loteria ou na roleta é um mau negócio.

No conjunto, os temas abordados em A vida secreta dos números apresentam a matemática e os desafios enfrentados por seus pesquisadores sob um prisma fascinante. No prefácio do livro, Szpiro afirma que um de seus objetivos ao escrever sobre matemática na imprensa era mostrar sua beleza e elegância. Após ler suas crônicas, pode-se dizer que a missão foi cumprida com êxito.

A vida secreta dos números – 50 deliciosas crônicas
sobre como trabalham e pensam os matemáticos
George G. Szpiro (trad.: J. R. Souza)
Rio de Janeiro, 2008, Difel
Tel.: (21) 2585-2070
272 páginas – R$ 39,00    

Bernardo Esteves
Ciência Hoje On-line 
02/06/2008