O que caracteriza um espermatozoide capaz de vencer a corrida até o óvulo? Para responder a essa pergunta, os métodos de diagnóstico de fertilidade masculina usados atualmente analisam fatores como o número de gametas ‘normais’ da amostra analisada, a morfologia de cada um ou o padrão do movimento feito por eles.
Mas uma pesquisa concluiu que os resultados determinados a partir dessas variáveis podem não ser eficazes. O trabalho mostrou que os diagnósticos desconsideram um aspecto muito importante: a viscosidade do fluido em que o espermatozoide se encontra.
O estudo foi realizado pelo grupo de Hermes Gadêlha, um físico-matémático pernambucano de 27 anos que está fazendo doutorado no Centro de Matemática e Biologia da Universidade de Oxford, na Inglaterra.
Os resultados da pesquisa foram publicados nas revistas Cell Motility and the Cytoskeleton e Journal of the Royal Society Interface, e foram também tema de reportagem na revista Science.
A equipe de Gadêlha desenvolveu um espermatozoide ‘virtual’ com base em simulações computacionais feitas com um modelo biomatemático. As simulações levaram em conta características como a interação da célula com o meio circundante, os mecanismos responsáveis pela propulsão do espermatozoide e a complexa geometria do seu flagelo.
O modelo permitiu descrever o movimento realizado pela célula e interpretar dados experimentais como o consumo energético dessas células durante o batimento do seu flagelo. As simulações mostraram que a viscosidade do fluido em que o espermatozoide se locomove influencia seu comportamento.
Hiperativação dos espermatozoides
O estudo permitiu reproduzir nas simulações um tipo de comportamento observado nos espermatozoides reais – uma mudança de sua trajetória retilínea para um movimento circular. Esse fenômeno – chamado de hiperativação – é essencial quando o espermatozoide está prestes a entrar no óvulo.
No momento em que os gametas chegam às trompas de Falópio, o cálcio presente na parede das células das trompas induz a hiperativação e estimula os espermatozoides a nadarem em círculos, pois só assim conseguirão chegar até o óvulo.
A transição para o movimento circular observada nas simulações foi atribuída pela equipe de Gadêlha à resistência viscosa do meio. “Agora, talvez seja necessário rever o conceito de hiperativação, já que a viscosidade do fluido também influencia esse processo”, avalia o pesquisador brasileiro.
Para confirmar in vitro os resultados previstos pelo modelo matemático, a equipe de Gadêlha conduziu também testes para observar a locomoção de espermatozoides. Os ensaios foram feitos em um fluido biológico de alta viscosidade, semelhante à do canal vaginal, e em outro tipo de fluido, usado normalmente nos testes de fertilidade masculina, com menor viscosidade.
O resultado confirmou que, em um fluido mais viscoso, o espermatozoide é capaz de mudar sua trajetória e passar a nadar em círculos. Essa característica pode ser interpretada como uma estratégia do organismo feminino para excluir os gametas que não conseguiram manter o ritmo durante a corrida rumo ao óvulo.
Assista a um vídeo que mostra os diferentes
padrões de movimento de um espermatozoide.
Testes de fertilidade em xeque
No entanto, o estudo também traz implicações alarmantes. Como a viscosidade do fluido usado para avaliar os espermatozoides nos testes de fertilidade é menor do que a encontrada no canal vaginal, isso pode comprometer os resultados desses testes.
“As substâncias usadas durante exames clínicos são menos espessas e não refletem as condições que o espermatozoide deverá enfrentar até a fecundação”, alerta Gadêlha.
O pesquisador brasileiro acredita que esses resultados podem um dia inspirar a construção de microrrobôs capazes de ajudar os espermatozoides a reorientar sua trajetória. “A ideia seria acoplar um filamento elástico com propriedades magnéticas à célula, com o objetivo de reorientar sua trajetória, de curvilínea para linear e vice-versa”, vislumbra Gadêlha.
Debora Antunes
Ciência Hoje On-line