Não abro mão do meu carro!

Confusão, estresse, barulho, poluição, semáforos e horas ociosas dentro do carro. Essa é a jornada diária que os moradores das metrópoles brasileiras enfrentam nos congestionamentos. Como chegar ao local de destino é uma árdua tarefa, cada vez mais indivíduos valorizam o conforto de seu próprio meio de locomoção. Conclusão: mais automóveis nas ruas, maiores engarrafamentos. Diante dessa situação, um estudo da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli/USP) analisou a reação de usuários de automóveis às políticas públicas para reduzir a demanda por transporte individual.

Congestionamento na Marginal Tietê, na cidade de São Paulo

A pesquisa, desenvolvida pelo economista Luis Alberto Noriega, revelou que os motoristas da capital paulista só deixariam de usar seus carros se sofressem pressões econômicas, como pedágio urbano ou multas. Por isso, eles tenderiam a desrespeitar políticas que, em seu ponto de vista, limitem suas liberdades. “Na cidade de São Paulo, o rodízio de automóveis foi constantemente burlado por indivíduos que optam por comprar um segundo veículo, novo ou usado, com placa de final diferente”, comenta Noriega.

O pesquisador atribui esse comportamento ao fato de as pessoas não entenderem que essas políticas pretendem reduzir não só os congestionamentos, mas também a poluição urbana. Embora preocupados com o meio ambiente, os cidadãos não crêem que o número elevado de automóveis possa prejudicá-lo.

Das pessoas consultadas, 58,5% circulam sozinhas em seus carros e não se consideram responsáveis pela poluição do ar da cidade. Apenas 29% dos entrevistados assumiram que seu veículo causa problemas ambientais, e 12,5% não se posicionaram. Noriega avaliou o comportamento de 176 usuários de carros da cidade de São Paulo, sobretudo empregados e estudantes universitários.

O estudo também constatou que esses indivíduos não querem perder o suposto conforto que um carro pode oferecer (rádio, ar condicionado, economia de tempo, flexibilidade de horários e rotas). “Ao ter-se transformado num ideal, a necessidade de possuir um automóvel é mais relevante do que a preocupação com questões ambientais ou o custo causado pelos engarrafamentos”, explica Noriega. “As pessoas aceitam o tempo perdido no trânsito como parte da viagem.”

Para contornar o excesso de carros nas ruas, uma saída indicada pelo economista seria a realização de um planejamento governamental mais abrangente para melhorias do transporte coletivo e não tão pontual como o rodízio. Além de campanhas educativas, poderiam ser instituídas políticas de pedágio urbano: para circular no centro da cidade, por exemplo, seria preciso pagar uma taxa, como se adotou recentemente em Londres.

Maiores taxas punitivas aos infratores do rodízio seriam mais um recurso — embora seja apontado como antidemocrático. “Como conseqüência dos racionamentos de água e energia elétrica, as pessoas adotaram novos hábitos, mais restritivos”, compara Noriega. “Com uma política similar, elas também passariam a controlar o uso demasiado de seus veículos.”

 

Renata Moehlecke
Ciência Hoje On-line
03/05/04