Não basta seguir a lei

“Acho que vocês vão ficar chocados com o que eu vou dizer.” Com essa frase provocativa o advogado Marcelo Galuppo iniciou sua fala na mesa-redonda sobre plágio realizada no último dia (15/7) do encontro anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). 

Professor da Universidade Federal de Minas Gerais e da Pontifícia Universidade Católica do estado, Galuppo referia-se mais precisamente ao que o direito tem a dizer sobre o plágio e ao que pode ser feito, legalmente, em relação à prática, cada vez mais comum – ou pelo menos mais detectada – no meio científico. 

De acordo com a lei brasileira que regulamenta a questão – nº 9.610/98, a mesma que rege os direitos autorais sobre obras artísticas –, plágio é a cópia dissimulada de obra de terceiro com o intuito de passar-se por seu autor. Ou seja, a intenção é um elemento central na interpretação legal. Mas como provar que alguém teve a intenção de plagiar? 

Ao mesmo tempo, a lei considera o plágio um ato solidário, ou seja, todos os envolvidos têm responsabilidade. No caso de artigo científico, ela enquadraria plagiador, orientador, co-autor, revisor e editor. Mas e se o orientador, por exemplo, disser que não leu o trabalho?

A legislação trabalha com uma concepção de plágio diferente da comumente adotada no meio científico

Para dificultar ainda mais, a lei não protege a ideia – mas sim a sua forma concretizada –, garante o direito de o autor não publicar a sua descoberta e permite o autoplágio. 

Moral da história: a legislação trabalha com uma concepção de plágio diferente da comumente adotada no meio científico e, com ela, quase nada se pode fazer para preveni-lo ou remediá-lo de forma eficaz na prática acadêmica.

“Acho que a SBPC precisa pensar nisso, precisa propor ao Legislativo a elaboração de uma legislação específica para coibir plágio, fraude e outros tipos de má conduta no meio universitário”, defendeu Galuppo. 

Em nome da integridade

Mudar a lei parece algo ainda distante, mesmo porque as divergências conceituais apontadas por Galuppo entre a lei e a ciência no que diz respeito ao plágio são novidade para a maioria dos pesquisadores – daí “o choque” previsto pelo advogado ao apresentá-las no encontro da SBPC. 

Mas a comunidade científica brasileira não está parada diante das crescentes denúncias de plágio, fabricação e falsificação de dados e outros tipos de má conduta no meio, julgadas até aqui pelas próprias instituições em que ocorrem. 

O Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) vinha pensando na criação de um comitê para cuidar da questão quando, em março deste ano, uma investigação internacional apontou fraude em 11 artigos assinados por pesquisadores da Universidade Federal do Mato Grosso e da Universidade Estadual de Campinas, que resultou na retirada desses artigos dos periódicos internacionais em que haviam sido publicados.

O caso, um das mais graves envolvendo cientistas brasileiros, apressou os planos do CNPq, que criou, em seguida à denúncia, uma comissão de integridade científica, formada por cinco membros da comunidade, de diferentes áreas de atuação. 

Hwang Woo-suk e Gerald Schatten
O sul-coreano Hwang Woo-suk (à esq.) e o estadunidense Gerald Schatten protagonizaram um dos maiores e mais recentes casos de fraude na ciência. Este ano, investigação internacional apontou má conduta em 11 artigos de cientistas brasileiros. (foto: Flickr/ jiadoldol – CC BY-NC-ND 2.0)

Juntos, eles devem criar diretrizes para estipular os procedimentos eticamente desejáveis a serem adotados na produção científica e apontar à agência os mecanismos que ela deve usar no caso de falha nesses procedimentos. 

“A comissão tem, portanto, um objetivo preventivo, até pedagógico, e também um mecanismo punitivo que, espera-se, não seja muito grande”, explica o médico Paulo Sérgio Beirão, professor da UFMG, diretor da área de ciências da vida do CNPq e membro da comissão. 

Na mesa sobre plágio no encontro da SBPC, além de falar sobre a comissão e compartilhar com Galuppo a preocupação em relação à complexidade conceitual da questão, Beirão destacou a gravidade do problema para o avanço da ciência. 

“Até ser provado que algo não é verdadeiro, há um investimento muito grande, de recursos, de tempo”, pontuou Beirão. “Do ponto de vista da ciência, é uma coisa muito nefasta, além de estar prevista no código penal.”

“Do ponto de vista da ciência, é uma coisa muito nefasta, além de estar prevista no código penal”

Da plateia, o químico Jailson Bittencourt de Andrade, da Universidade Federal da Bahia e também membro da comissão, fez coro com o colega. “Se houve má conduta, se uma dissertação não é original, a pessoa recebe um título que não merece. Com esse título, concorre a cargos com outras pessoas que estão em situação regular; ele pode simplesmente tirar alguém da vaga.”

Para Andrade, a questão legal é importante, mas, mais importante, é garantir a ética e a moral na ciência. “Trata-se de uma questão extremamente complexa. Precisamos de uma ação rápida para evitar que ela se propague indefinidamente.”

A comissão de integridade científica, que vem mantendo discussões virtuais entre seus membros, deve se encontrar presencialmente em agosto para definir as diretrizes a serem apresentadas ao CNPq. O compromisso é entregar, em setembro, um relatório ao órgão, com o resultado do trabalho.

Carla Almeida
Ciência Hoje On-line

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