No rastro do TBT

O ímpeto do mercado segue seu rumo. E comprar tributilestanho (TBT) no Brasil, hoje, é quase tão fácil quanto comprar cigarro. O comércio da substância é legalizado. O que não se permite é apenas seu uso em tintas marítimas. Mas da legislação à realidade, o caminho é por vezes distante.

De acordo com a Associação Brasileira da Indústria Química (Abiquim), há uma só empresa no país cadastrada para comercializar óxido de TBT. Trata-se da Cesbra Química S.A, sediada em Volta Redonda (RJ). Por e-mail, no entanto, a companhia nos informou que está exclusivamente focada na produção de biodiesel. Mas, no site da empresa, anuncia-se o TBT como um dos compostos à venda – recomendado, aliás, “para a indústria de tintas como agente anti-incrustante”.

Gilberto Fillmann: A Convenção de Roterdã proíbe a comercialização do TBT como pesticida. Mas ela vem sendo mundialmente burlada, inclusive no Brasil

Na página virtual da Cesbra, o TBT é indicado também para a “fabricação de defensivos agrícolas”. Pelo menos é o que se lê na descrição do produto. “Porém, o Anexo 3 da Convenção de Roterdã proíbe a comercialização desse produto como pesticida”, lembra o oceanógrafo Gilberto Fillmann, da Universidade Federal do Rio Grande (Furg). “A convenção vem sendo mundialmente burlada, inclusive no Brasil.”

Segundo o oceanógrafo, as empresas importadoras de TBT alegam que ele é comercializado para fins industriais – o que está, na verdade, dentro da lei. Mas a alegação não se sustenta. Pois o composto, se usado em tintas para eliminar a incrustação de organismos, exerce exatamente a função de pesticida. “É isso que está ocorrendo”, contextualiza Fillmann, “e não existe atualmente nenhum mecanismo legal de controle”.

Um mal-entendido bem explicado?

Para esclarecer o imbróglio, a CH On-line procurou um representante comercial da Cesbra. Simulando interesse em comprar TBT para fins náuticos, a reportagem esbarrou em informações um tanto quanto curiosas.

O profissional informou que a empresa não mais estava comercializando TBT. Motivo: o produto é importado e os preços internacionais haviam aumentado muito nos meses antecedentes. “Mas, para 2014, precisamos ainda estudar nossa postura”, adiantou o profissional.

Com a palavra, o representante comercial da Cesbra Química S.A.:

Papo vai, papo vem, singelo detalhe emergiu da fala do vendedor. Segundo ele, a Cesbra fornece um ‘parente’ do tributilestanho (TBT) – o óxido de dibutilestanho (DBT) – a diversas empresas fabricantes de tintas anti-incrustantes.

Hora de ligar o desconfiômetro. “É que o DBT deriva da debutilação do TBT, por fotólise ou atividade bacteriana; e como uma síntese comercial dificilmente tem 100% de eficiência, é certo que existem resquícios de TBT e MBT [monobutilestanho] nos lotes de DBT; mas esse percentual só é conhecido pelo fabricante”, explica o oceanógrafo Marcos Fernandez, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj).

Breves reflexões sobre o DBT

“Uma dúvida: para tintas anti-incrustantes, esse tal DBT também é uma boa pedida?”, indagamos ao representante da Cesbra, por telefone. “Olha, é excelente”, confirmou o profissional. “É comum a gente vender ele para [formulação de] tintas.”

Segundo o vendedor, a catarinense WEG é uma das companhias que compra, da Cesbra, o óxido de DBT. A WEG, no entanto, garantiu à CH On-line que não usa estanho – elemento químico presente no DBT e no TBT – em qualquer uma de suas tintas. Conhecida por boas práticas ambientais, a empresa mantém em seu portfólio diversas variedades de produtos anti-incrustantes. Todos são anunciados como, de fato, “livres de estanho”.

Gilberto Fillman: “De fato, temos encontrado níveis de TBT e DBT em vários locais da costa do Brasil e da América do Sul, indicando uso recente desses compostos”

O episódio levanta uma controvérsia ardilosa. Se é mesmo “comum” a venda de DBT para fabricantes de tinta, é perfeitamente plausível supor que compostos organoestânicos ainda sejam disseminados pelos ecossistemas marinhos do litoral brasileiro. “De fato, temos encontrado níveis de TBT e DBT em vários locais da costa do Brasil e da América do Sul, indicando uso recente desses compostos”, evidencia o oceanógrafo Gilberto Fillman, da Universidade Federal do Rio Grande (Furg).

Trata-se de um novo horizonte investigativo – que, a despeito de conhecido pela comunidade científica, permanece inexplorado pelos órgãos ambientais do país.

Este é o quinto texto da série especial ‘Oceanos envenenados’, publicada esta semana na CH On-line. Confira!

Henrique Kugler
Ciência Hoje On-line