Nos confins do Brasil


Belas imagens de um litoral solitário com paisagens naturais de rara beleza. Para o telespectador desavisado, pode parecer mais um daqueles clássicos filmes da National Geographic ou Discovery Chanel. Trata-se, no entanto, do primeiro documentário sobre o extremo sul da costa brasileira, dirigido pelo oceanógrafo Ulrich Seeliger, da Fundação Universidade Federal do Rio Grande (Furg), no Rio Grande do Sul. Lançado em DVD, Litoral selvagem pretende vencer as fronteiras do universo acadêmico e cumprir uma importante função social: popularizar o conhecimento científico na área de oceanografia. 

Dunas móveis a cerca de 1,5 km da costa atlântica, na altura do Farol de Albardão, município de Santa Vitória do Palmar (RS). Fotograma extraído do documentário Litoral selvagem.

Praias desertas, areias ao vento e dunas movediças compõem o cenário de uma história literalmente bonita por natureza, que se desenrola entre Rio Grande, a 312 km de Porto Alegre, e a barra do Chuí, a mais meridional cidade brasileira, na fronteira com o Uruguai. Espécies raras de animais e plantas, algumas ameaçadas de extinção, integram o elenco. A ação dos séculos sobre esse litoral singular é o agente da trama; o tempo é o protagonista. Todos esses elementos se harmonizam, dividindo espaço na tela e proporcionando uma peculiar experiência audiovisual.

São 25 minutos de ciência – e de entretenimento também, por que não? Pode parecer pouco tempo, mas para que esses breves instantes se concretizassem foram necessários cinco anos de grande dedicação. Nesse período, Seeliger praticamente precisou aprender uma segunda profissão: a de diretor de cinema. E se deu bem. O trabalho, finalizado em 2007, já circula principalmente no meio acadêmico e tem recebido muitos elogios.

Seeliger conta que a realização do documentário foi um desafio. Isso porque, segundo ele, não basta ter disponíveis centenas de publicações acadêmicas sobre o tema. “Isso é inútil se não houver um bom resumo do assunto.” Foi justamente isso que ele fez: sintetizou décadas de estudos científicos em 78 frases utilizadas na narração do filme. O texto é de fácil entendimento por qualquer leigo.

O projeto sugere um novo horizonte para filmes de divulgação científica no Brasil, ao transferir conhecimento acadêmico para meios populares. “Não há hoje nenhum mecanismo hábil para essa transferência”, sustenta Seeliger. “Até pouco tempo atrás nem se pensava nisso. Mas hoje o próprio CNPq reconhece oficialmente a importância dessa prática.”

Arroios cortam dunas e praia, drenando a água doce dos banhados próximos. Fotograma extraído do documentário Litoral selvagem.

Aliás, o CNPq foi peça-chave para a viabilização do projeto, tendo desembolsado boa parte dos R$ 300 mil necessários à sua realização. A Fundação de Amparo à Pesquisa do Rio Grande do Sul e a Furg também contribuíram. O documentário teve ainda o apoio do programa de Pesquisas Ecológicas de Longa Duração (Peld), uma iniciativa do CNPq em que estão envolvidos grupos de pesquisa sobre ecossistemas brasileiros.

Escolas e tevês universitárias
A equipe da Furg envolvida na realização do documentário não tem poupado esforços para que Litoral selvagem se popularize o mais possível, recomendando sua veiculação em escolas e tevês universitárias. Até mesmo alguns ônibus de turismo da região têm exibido o documentário. “Nosso objetivo é que a população tenha informações relevantes sobre o bioma em que vive”, justifica Seeliger. Até agora nenhum veículo da chamada grande mídia se interessou em divulgar o trabalho.

O documentário peca em um único ponto: a trilha sonora. Em vista dos altos custos dos direitos autorais, infelizmente o orçamento não permitiu um áudio mais elaborado. Os recursos utilizados foram arquivos MIDI (Musical Instrument Digital Interface), um formato desenvolvido e muito difundido na década de 1970. A precariedade do som é um tanto frustrante para os ouvidos do apreciador de boa música.

Atualmente Seeliger trabalha na produção de dois novos documentários. Seguindo uma estrutura semelhante à de Litoral selvagem, o primeiro deles, intitulado Mar quase doce, põe em foco as lendárias lagoas dos Patos e Mirim, no Rio Grande do Sul. O segundo projeto, que conta com a participação do biólogo Luiz Drude de Lacerda, aborda o ecossistema do rio Jaguaribe, no Ceará, e deverá ser lançado em 2009.

 Litoral selvagem
Direção: Ulrich Seeliger
Edição:  Jeison Brum de Paiva
Cor, 25 minutos
Rio Grande, 2007, Projeto Furg Ecomídia Marinha
O DVD pode ser baixado gratuitamente a partir do endereço www.ecomidia.pro.br

Henrique Kugler
Especial para a CH On-line / PR
13/02/2008