Nova perspectiva para combater a dengue

Canal de Buckingham, em Chennai, na Índia, uma das seis cidades asiáticas nas quais estão sendo realizados estudos de combate à dengue inspirados na perspectiva da ecossaúde (foto: Wikimedia Commons).

Os meios convencionais para se combater a dengue, centrados muitas vezes apenas no controle químico do mosquito Aedes aegypti, não têm se mostrado efetivos para conter o avanço da doença. Uma solução mais eficaz talvez esteja em métodos interdisciplinares surgidos no campo da ecossaúde.

Esses métodos propõem, além das ferramentas habituais da saúde pública para erradicar o mosquito, estratégias que levam em conta também características específicas do meio ambiente e da organização social das comunidades em que se pretende atuar. Nessas abordagens, o envolvimento das populações locais e de várias instâncias do poder público é essencial para o sucesso das ações.

Estratégias surgidas a partir dessa perspectiva têm sido postas em prática com sucesso em vários países e foram apresentadas durante o Fórum Internacional de Ecossaúde, realizado em Mérida, no México. Neste momento em que, com a chegada do verão e das chuvas, vários estados brasileiros se preparam para um grande aumento no número de casos da dengue, o país pode se espelhar nessas experiências para repensar suas estratégias de combate à doença.

O caso da Ásia
Uma iniciativa promissora nesse campo em curso atualmente é um programa de pesquisa realizado conjuntamente em cidades de seis países asiáticos – Índia, Indonésia, Filipinas, Myanmar, Sri Lanka e Tailândia. O programa é financiado pelo Programa Especial para Pesquisa e Treinamento em Doenças Tropicais (TDR), ligado à Organização Mundial da Saúde (OMS).

“Queremos contribuir para uma prevenção mais efetiva da dengue por meio de um melhor entendimento de seus determinantes ecossistêmicos, biológicos e sociais”, explica o cientista social Johannes Sommerfeld, da TDR/OMS. “A idéia é desenvolver intervenções de gestão dos ecossistemas centradas nas comunidades de forma a reduzir os hábitats do vetor com ações intersetoriais.”

O mapa mostra os países do sudeste asiático em que a dengue era endêmica em 2007 (fonte: OMS).

A primeira fase do programa, voltada para a análise e adequação das estratégias de intervenção ao contexto específico de cada localidade, acaba de ser concluída. Essa etapa permitiu apontar ações adaptadas a cada cidade, a serem implementadas na próxima fase, a partir de 2009. “Intervenções principalmente não químicas, como a gestão adequada da água, modificações ambientais e o envolvimento do setor político e civil estão entre as estratégias preferenciais”, resume Sommerfeld.

Mas os desafios para se levar a cabo uma ação integrada não são poucos. “Precisei me iniciar em várias disciplinas em muito pouco tempo para poder coordenar a equipe de forma adequada”, conta a médica Susilowati Tana, responsável por conduzir o projeto na cidade de Yogyakarta, na Indonésia.

América Latina
Estudos realizados em vários países latino-americanos como Colômbia, Peru e Bolívia também foram lembrados em Mérida. No Brasil, foram apresentados os resultados de um projeto realizado na comunidade de Santa Rosa, no município de Cabo de Santo Agostinho, interior de Pernambuco. A pesquisa está sendo desenvolvida por uma equipe do Centro de Pesquisas Aggeu Magalhães, unidade da Fundação Oswaldo Cruz em Pernambuco.

“O objetivo desse trabalho foi entender os conhecimentos, atitudes e práticas da comunidade local sobre a dengue para identificar as situações de risco de forma a orientar as ações de controle a serem desenvolvidas nessa área”, explica a especialista em saúde pública Solange Laurentino dos Santos, uma das autoras do estudo.

Para isso, a equipe entrevistou 263 moradores selecionados. Os resultados mostraram que o conhecimento da população local sobre a doença e sobre os métodos de controle do vetor era inadequado, bem como as práticas de proteção e combate ao mosquito. O grupo constatou ainda uma baixa participação da população na luta contra a dengue. “Essas situações de risco precisam ser levadas em conta no planejamento de ações para o controle da doença”, diagnostica Santos.

Outras iniciativas do gênero devem ser iniciadas em breve no continente. Durante o fórum de Mérida, a OMS anunciou que financiará a partir do ano que vem projetos de pesquisa de combate à dengue e à doença de Chagas na América Latina inspiradas na ecossaúde. Mais informações sobre a liberação desses recursos estarão em breve disponíveis na página da TDR/OMS na internet.

Um problema de escala
Uma objeção freqüente ao alcance dessas iniciativas é a questão da escala: todas elas foram aplicadas em nível municipal ou em comunidades ainda menores. Estratégias de combate à dengue inspiradas na ecossaúde de alcance nacional requerem uma grande mobilização de recursos humanos e materiais.

“É difícil fazer uma avaliação sistemática do impacto dos poucos estudos feitos nessa área até aqui”, pondera Ben Brisbois, especialista em mudança climática e doenças infecciosas da Universidade da Colúmbia Britânica, no Canadá. “Um dos obstáculos para se ampliar a escala desses projetos é definir quem deve ser responsável por isso: a OMS? Países individuais? A iniciativa privada?”, problematiza.

De qualquer forma, o sucesso das experiências já tentadas sugere que dificilmente teremos um combate efetivo da doença sem levar em conta as diferentes dimensões do problema e sem contar com a participação ativa da população na luta contra a dengue.

Bernardo Esteves (*)
Ciência Hoje On-line
05/12/2008

(*) O repórter viajou a Mérida financiado pela Federação Mundial dos Jornalistas de Ciência.