Novas cenas helênicas

Quando o jornalista e escritor pernambucano Fernando Pessoa Ferreira (1932-2010) escreveu a crônica Curitiba, a fria, nos anos 1960, decretando o anonimato cultural dos paranaenses, não sabia o estrago que causaria no ego local. Por anos a fio, o Paraná tentaria provar ao restante do Brasil que tem seu valor. A mais nova aposta da Secretaria Estadual de Cultura é a revista Helena, cujo número zero foi lançado em junho passado na capital paranaense.

É a primeira vez que uma publicação do gênero é batizada com um nome feminino. E não é um nome qualquer

Curitiba tem uma tradição de impressos literários que começa com a revista Joaquim, em meados dos anos 1940, passa pelo jornal Nicolau (1987 a 1994) e chega até os dias de hoje com os jornais Rascunho (desde 2000) e Cândido, lançado no ano passado pela Biblioteca Pública do Paraná. Mas é a primeira vez que uma publicação do gênero é batizada com um nome feminino.

Não é um nome qualquer. Além de fazer referência à civilização helênica – cultuada pelo poeta Dario Vellozo (1869-1937), que exerceu importante influência na vida cultural de Curitiba –, homenageia o centenário de Helena Kolody (1912-2004), talvez a mais importante poetisa da história do Paraná, mas que não teve grande destaque nacional.

Helena
Helena Kolody, especialista em haikais, completaria 100 anos em 2012. Poetisa ganhou admiração de Drummond e foi fonte de inspiração para Leminski. (foto: Haraton Maravalhas)

Filha de imigrantes ucranianos, Kolody nasceu em Cruz Machado, no sul do estado, e foi referência na produção do haikai (poesia japonesa composta de três versos, com cinco, sete e cinco sílabas), deixando como marca registrada o poder de sintetizar emoções. “Tão simples, tão pura – e tão funda – a poesia de Infinito presente [coletânea lançada em 1980]”, escreveria o poeta Carlos Drummond de Andrade (1902-1987) em carta à poetisa. “Você domina a arte de exprimir o máximo no mínimo, e com que meditativa sensibilidade!”

A beleza física da poetisa sempre chamou a atenção – e não é para menos que o destaque gráfico da capa da edição zero de Helena é um retrato seu quando jovem. Ainda assim, ela sempre foi uma mulher tímida, o que contribuiu para sua ausência no cenário nacional. Ou seja, a opção pelo nome Helena é também uma provocação, explica o secretário estadual de cultura Paulino Viapina no editorial da edição de lançamento da revista, já esgotada.

Número zero

Exatamente para justificar essa escolha, a edição zero da revista trata em grande parte da obra de Kolody e de sua trajetória pelo estado, uma forma de passar ao segundo tema: a influência da cultura grega do período helênico na constituição da identidade cultural paranaense.

“Não é uma revista de literatura; mas de cultura”, explica o jornalista Ernani Buchmann, consultor editorial de Helena. Foi dele o projeto da revista e a ideia do nome. “Fico satisfeito em transformar aquilo que é cultura do Paraná em produto de consumo para estudiosos de todo o país, que sabem muito pouco sobre quem somos.”

Helena tem periodicidade trimestral, distribuição gratuita e inova até no formato (26,5x35cm), similar ao da revista Piauí. “É o tamanho para torná-la grandiosa, para que as pessoas abram espaço na estante e a colecionem”, diz Buchmann. Já a linguagem busca a essência do chamado ‘novo jornalismo’, inaugurado no Brasil na década de 1960 pela revista Realidade, da editora Abril. “Acharia uma lástima usar jargões acadêmicos. Não dá pra falar de cultura e tentar engessá-la.”

Tablets
Versão ‘on-line’, com o conteúdo na íntegra, já pode ser acessada em ‘tablets’. Página oficial da revista deve ser lançada nos próximos meses. (foto: Javã Társis)

A edição número um, que será lançada este mês, terá como tema a região norte do Paraná: da colonização por imigrantes até histórias do episódio que ficou conhecido nacionalmente como ‘a geada negra de 1975’ em Londrina e que erradicou a cafeicultura da região. A tiragem será ampliada de cinco mil para 10 mil exemplares.

Para fazer Helena chegar ao resto do Brasil, nos próximos meses os editores pretendem montar um site com o conteúdo da revista na íntegra. “Temos o costume de dar valor apenas ao que é feito no eixo Rio-São Paulo, mas o Nordeste tem uma cultura fantástica; e o Sul, igualmente. Espero que Helena estimule manifestações semelhantes em outras partes do país”, conclui Buchmann.

Filosofal e rápida

Para o escritor e professor de literatura da Universidade Federal do Paraná Paulo Venturelli, Kolody poderia ser colocada no quadro de grandes poetisas brasileiras, no mesmo patamar de Cecília Meireles (1901-1964).

“Kolody fez uma poesia telegráfica de tom filosofal e reflexão rápida. Seu texto era como um flash”, explica Venturelli, autor de um artigo sobre a poetisa na primeira edição de Helena. “Para [o poeta Paulo] Leminski [1944-1989], ela era uma espécie de rainha da poesia”.

Em 1993, a comunidade nipo-brasileira de Curitiba batizou a escritora com o nome artístico Reika, que significa ‘perfume da poesia’. ‘Cantiga’, o último poema escrito por Kolody, reflete a personalidade otimista e contagiante que a tornou adorada pelos paranaenses e que pode ser conhecida melhor pelos demais brasileiros com a revista Helena.

Cantiga

Chegar ao porto
da vida finda,
cantando sempre,
sonhando ainda.







Mariana Ceccon
Especial para Ciência Hoje On-line/ PR