O bóson de novo

Previsível e aguardado, o Nobel de Física deste ano foi concedido ao britânico Peter Higgs e ao belga François Englert pela descoberta do mecanismo pelo qual as partículas adquirem massa, ou, mais precisamente, pela concepção da teoria do bóson de Higgs. 

Os dois cientistas eram os favoritos para dividir o prêmio de oito milhões de coroas suecas (cerca de três milhões de reais) desde que a existência do bóson foi confirmada, no ano passado, por experimentos realizados no Grande Colisor de Hádrons (LHC), do centro europeu de física nucelar, o Cern. 

O bóson de Higgs foi a última peça descoberta do quebra-cabeças da física chamado de Modelo Padrão, um conjunto de partículas subatômicas que constitui grande parte do universo visível. 

O Modelo Padrão inteiro depende do bóson. Todas as partículas que o constituem só existem como tal por causa do chamado campo de Higgs, de onde se origina o bóson de mesmo nome. Previsto por Peter Higgs e o Nobel de física de 1977 Philip Warren Anderson, é esse campo invisível, formado depois do Big Bang, que transfere massa para as partículas subatômicas que compõem a matéria. 

Higgs: “Espero que esse reconhecimento da ciência fundamental chame atenção para o valor da pesquisa imaginativa”

Tanto Higgs, da Universidade de Edimburgo (Escócia), quanto Englert, da Universidade de Bruxelas (Bélgica), propuseram, independentemente, teorias que previam a existência do bóson. Os trabalhos de ambos foram publicados em 1964 – o de Englert em coautoria com o físico já falecido Robert Brout. 

Inicialmente, a existência do bóson foi duramente criticada e considerada um devaneio sem embasamento. A situação mudou completamente desde que se iniciaram as buscas pela partícula no LHC.

Em nota publicada pela sua universidade, Higgs parabenizou a todos que tornaram possível a descoberta do bóson que leva seu nome e destacou a importância da física teórica. “Espero que esse reconhecimento da ciência fundamental chame atenção para o valor da pesquisa imaginativa”, escreveu.

Trabalho em equipe

Alberto Santoro, físico da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) que participou dos experimentos que levaram à descoberta do bóson, acredita que a escolha foi justa. “Foi um prêmio muito merecido”, diz. “Há quatro décadas eles já tentavam resolver essa grande curiosidade humana que é saber a origem da massa.”

Santoro ressalta, no entanto, a importância da física experimental para que o trabalho de Higgs e Englert fosse reconhecido. “Uma teoria física só tem validade quando é confirmada”, aponta. “Diferentemente da matemática, que é puramente abstrata, a física é ligada à natureza e precisa ser demonstrada experimentalmente.”

Bóson
A imagem mostra uma colisão de prótons produzida no LHC na tentativa de encontrar o bóson de Higgs. A detecção da partícula vem sendo considerada uma das maiores descobertas da história da física. (imagem: Lucas Taylor/ Cern)

Milhares de físicos e outros pesquisadores trabalharam nos experimentos Atlas e CMS em busca do bóson de Higgs. O esforço, porém, não poderia ter sido reconhecido com o Nobel, que não premia mais que três pessoas por categoria. Inclusive, dos 140 prêmios Nobel de Física já concedidos, 47 foram entregues a somente uma pessoa.

Santoro: “No resultado experimental não existe um autor. A melhor comparação para o nosso trabalho é uma orquestra”

“No resultado experimental não existe um autor”, lembra Santoro. “A melhor comparação para o nosso trabalho é uma orquestra: existe o maestro e os músicos e cada um tem um papel igualmente importante para que a música esteja completa.”

O pesquisador acrescenta: “No caso da descoberta do bóson, os físicos e os engenheiros que construíram os aceleradores trabalharam juntos. Seria impossível escolher uma dessas pessoas para dar um Nobel; na melhor das hipóteses, o prêmio teria que ser dado ao Cern.” O único Nobel que pode ser concedido a uma instituição é o da Paz.

O físico lembra que os estudos sobre o bóson não terminaram com sua detecção. Atualmente, o LCH está fechado para manutenção, mas a partir de 2015 deve voltar à atividade. “Temos muito trabalho pela frente para determinar todas as características físicas do bóson”, diz. “Com certeza, ainda vamos produzir muito mais conhecimento relevante sobre esse tema.”

Sofia Moutinho
Ciência Hoje On-line