Clique na imagem para assistir ao vídeo do experimento em que um macaco comanda com o pensamento um braço robótico para segurar um morango e levá-lo à boca (imagens: Andrew Schwartz e colaboradores).
Em 2006, escrevi nesta coluna que estimava para 2010 a construção de instrumentos robóticos capazes de realizar movimentos de precisão comandados por instruções do cérebro. Parece que o futuro está chegando mais cedo: a revista Nature publicou na internet esta semana um trabalho do grupo de Andrew Schwartz, da Escola de Medicina da Universidade de Pittsburgh, nos Estados Unidos, anunciando experimentos com um braço robótico multiarticulado comandado pelo cérebro!
Já pensaram no que isso significa? Um paciente com lesão na medula espinhal, paraplégico ou tetraplégico poderia comandar um braço robótico com seu próprio pensamento. Ou dirigir uma cadeira de rodas “inteligente” usando sua mente! Bastaria pensar “virar à esquerda”, e a cadeira de rodas o faria imediatamente. Ou refletir “vou comer aquela maçã”, para que o braço robótico a trouxesse diretamente à boca.
O grupo americano utilizou um sistema de finíssimos fios condutores implantados no cérebro de dois macacos para registrar simultaneamente dezenas de neurônios da região de comando motor durante o movimento cotidiano que eles faziam para pegar um delicioso morango com a mão e levá-lo à boca.
O movimento, é claro, tinha a cada vez características ligeiramente diferentes em função da posição inicial da mão, do local onde se encontrava o cobiçado morango e – quem sabe – do “estado mental” do animal em cada momento. Inicialmente, o computador recebia o registro elétrico da atividade dos neurônios que comandavam o braço natural do macaco: era a fase de aprendizagem.
As setas à esquerda mostram as direções preferenciais de numerosos neurônios do córtex motor do macaco, cobrindo todos os setores do espaço. À direita, a silhueta do rosto do macaco se vê em cinza, e quatro movimentos do braço robótico em busca do morango são representados com a direção indicada pelas setas. Modificado de Velliste et al. (2008).
Para cada movimento, há um padrão característico de atividade neural. Cada um dos neurônios do córtex motor apresenta a capacidade de comandar um tipo de movimento em uma direção específica. Uma população desses neurônios corticais, então, é capaz de cobrir todos os movimentos do espaço tridimensional, e o córtex só precisa selecionar o conjunto adequado a cada momento, para realizar movimentos nas direções apropriadas.
Um braço robótico multiarticulado
Depois da fase de aprendizagem, os pesquisadores posicionavam, próximo ao animal, um braço mecânico dotado de movimentos tridimensionais do ombro e do cotovelo, além do movimento de preensão de uma mão com dois “dedos”, como uma pinça capaz de agarrar qualquer objeto. O braço robótico era posicionado junto ao ombro esquerdo do macaco, que tinha seus braços reais imobilizados dentro de cilindros próximos ao colo.
A tarefa, neste caso, era bastante complexa em comparação aos experimentos anteriores, nos quais o animal devia mover um cursor que aparecia no monitor de um computador. Desta vez, os macacos tinham que interagir com o ambiente, avaliando a posição do morango-alvo em relação a seu próprio corpo, e comandar os movimentos do ombro, do cotovelo e da mão do braço robótico até a correta preensão do alimento.
E não bastava segurar a fruta: uma vez feito isso, era preciso retornar com ela à boca e comê-la efetivamente. Nada complicado para nosso dia-a-dia, mas um portento de computação para um neurorrobô. Basta pensar que qualquer erro de comando cerebral poderia significar o esmagamento do morango antes que ele pudesse chegar íntegro e saboroso à boca.
Como na vida real
O desenho mostra à esquerda, acima, o morango posicionado diante do macaco. Ele tinha seus braços imobilizados dentro de cilindros; próximo a seu ombro, ficava um braço robótico controlado pelo computador, por sua vez ligado aos instrumentos de registro dos neurônios cerebrais. Modificado de Velliste et al. (2008).
Os pesquisadores relatam no trabalho que os macacos conseguem facilmente corrigir a trajetória do braço robótico quando o alimento é apresentado em outra posição. Muitas vezes, eles começam a movimentar o braço robótico para alcançar outro morango enquanto ainda mastigavam a fruta anterior. Além disso, durante o movimento do robô, eles são capazes de mudar a cabeça de posição e mover os olhos naturalmente – como na vida real. Certa vez, relatam os autores, um dos macacos moveu o braço robótico não para alcançar o alimento, mas para lamber os dedos!
Um dos macacos obteve uma taxa de sucesso de 61% e o outro, de 78% na tarefa de alimentar-se por meio do braço robótico, sendo a velocidade de movimento do dispositivo um pouco mais lenta (3 a 5 segundos) do que a dos braços naturais (1 a 2 segundos).
Não há dúvida de que o trabalho do grupo americano representa um salto gigantesco em direção ao desenvolvimento de próteses inteligentes para indivíduos amputados ou pacientes com lesões da medula espinhal ou acidentes vasculares cerebrais. É claro que ainda há muito que aperfeiçoar: as próteses são pesadas e pouco práticas, o sistema de fios implantado no cérebro vai perdendo capacidade de captar a atividade dos neurônios com o tempo, e o animal por enquanto se baseia apenas na visão para controlar ou corrigir a trajetória do instrumento.
Mas nada disso parece insuperável ao esforço dos neuroengenheiros. O futuro está chegando mais rápido do que pensávamos.
SUGESTÕES PARA LEITURA
Lent, R. (2006) Os neurorrobôs estão chegando!. https://www.cienciahoje.org.br/52107.
Velliste, S.K. e colaboradores (2008). Cortical control of a prosthetic arm for self-feeding. Nature doi:10.1038/nature06996
Roberto Lent
Professor de Neurociência
Instituto de Ciências Biomédicas
Universidade Federal do Rio de Janeiro
30/05/2008