O longo zoom

Joseph Priestley (1733-1804) viveu numa época conturbada da história do Ocidente. A Europa, no século 18, enveredou para uma crise política sem precedentes. A Inglaterra perdeu sua maior colônia, os Estados Unidos, não sem antes se envolver num longo conflito. A França viveu os últimos anos da Monarquia absoluta. A Igreja sentia os efeitos da Reforma e a luta religiosa tomava conta de vários países.

A publicação deste texto é fruto de uma parceria entre a CH On-line o Jornal de Resenhas. A cada nova edição do jornal, reproduziremos aqui uma de suas resenhas.

Mas, o século 18 foi também um período de descobertas no campo científico, na trilha iniciada pela fundação por Galileu Galilei de uma nova ciência e pelas realizações de Isaac Newton que proporcionaram a síntese desta nova forma de pensar. Diante destas mudanças, o Iluminismo ganhou terreno entre os pensadores, valorizando o pensamento racional.

Priestley configura um caso exemplar de um adepto do Iluminismo europeu. Filósofo, teólogo, dedicou-se à filosofia natural e teve como interlocutores diversos nomes que deixaram a sua marca na história, em particular, Benjamin Franklin. Suas contribuições científicas são inegáveis: a descoberta de vários gases que estão presentes no ar, a descoberta da importância do oxigênio molecular para a vida e a própria descoberta do oxigênio, que ele divide com Carl Wilhelm Scheele (1742-1786), um conjunto que lhe dá um papel de destaque entre os filósofos da natureza.

Caracterização do oxigênio

Ele presenciou o nascimento da química moderna e contribuiu, embora sem concordar com as conclusões, para que Lavoisier realizasse os trabalhos de caracterização do oxigênio. Uma das características marcantes de Priestley é a ausência de um projeto de pesquisa. Neste sentido, ele é mais um observador atento de fenômenos do que um cientista que constrói seu experimento dentro de um quadro mental. Esta falta de uma preocupação mais disciplinada parece fluir para os outros campos em que atuou.

As contribuições científicas de Priestley incluem a descoberta do oxigênio e de outros gases

Seu envolvimento em discussões teológicas e políticas na Inglaterra acabaram desastrosamente, com sua fuga para a América do Norte. Triste destino, mas infinitamente mais atraente do que o de seu rival na química, Lavoisier, guilhotinado, em 1794, no período do Terror.

Steven Johnson anuncia que não pretende fazer em A invenção do ar a biografia de uma figura tão complexa. Ele se propõe apenas a compreender como Priestley, na sua época, transformou-se numa figura central nos Estados Unidos, na Inglaterra e na França. Para isto, procura fazer o que denomina de “biografia das ideias”, construindo os vínculos de associação e influência que ligam Priestley às mudanças sociais, políticas e religiosas de seu tempo.

Mas a intenção de Johnson parece esbarrar nos limites da própria proposta e o texto mimetiza, de certa forma, as características do trabalho do seu herói – forma pela qual o autor em várias ocasiões se refere a Priestley. Trata-se de um livro desordenado e destituído de uma base teórica que lhe dê sustentação.

A invenção do ar
Capa da edição brasileira da biografia de Joseph Priestley.

A parte dedicada aos trabalhos científicos é um tanto superficial e não leva em conta a contribuição de vários outros filósofos da natureza que estavam diante de uma grande transformação conceitual que irá levar ao surgimento da química moderna. Lavoisier aparece como coadjuvante e a idéia do “zoom longo”, defendida por Johnson, acaba neutralizando o impacto das discussões e das polêmicas acerca da teoria do flogístico, defendida por Priestley e atacada pelo sábio francês.

Johnson indica como a relação de Priestley com os “eletricistas”, em particular, com Benjamin Franklin, permitiu ao primeiro enveredar no campo de uma ciência do experimento e da observação. Um trabalho motivado pela curiosidade e que levou a resultados sem dúvida importantes. Foi assim que Priestley inventou o processo de gasificação de líquidos, descoberta que ele publiciza sem usufruir dos lucros que outros obterão ao industrializar a água gaseificada.

É também pela via da prática que ele descobre que vegetais produzem “uma atmosfera” importante para a vida animal. Ao realizar experimentos com cobaias presas em pequenas campânulas ele observou que na presença de um vegetal o animal é capaz de sobreviver por longo tempo. Sua conclusão é a de que a atividade do vegetal produz “ar respirável” no interior do recipiente. Trata-se, sem dúvida, de um resultado espantoso, mas Priestley não avança muito além da observação, como era, aliás, de seu feitio.

Associações livres

Neste momento de sua história biográfica Johnson utiliza sua técnica de “longo zoom”. Promove associações livres que se estendem desde o século 18 até os dias atuais em que as discussões sobre ecologia estão presentes no cotidiano e não hesita em retornar ao Período Cambriano em busca de analogias que deem suporte à ideia.

Johnson defende a tese de que a ciência é feita a partir de uma intrincada rede de relações que envolvem vários nomes e muitas coincidências. Dedica páginas para ressaltar a importância dos cafés na produção de conhecimento, por serem espaços onde ocorre a troca de ideias. A partir daí passa a discorrer sobre as propriedades da bebida, afastando-se do eixo de sua narrativa.

O texto passeia por várias áreas sem que haja um aprofundamento para os argumentos apresentados

Esses movimentos que ele denomina de “longo zoom” permite que o texto passeie por várias áreas, sem que haja, de fato, um aprofundamento ou mesmo um fundamento plausível para os argumentos apresentados. Isto se torna particularmente aguçado quando Johnson trata do período em que Priestley se vê excluído do espaço inglês por causa de sua posição religiosa e de seu apoio aos movimentos de independência que estão ocorrendo em solo americano. Seu “longo zoom” não me parece apropriado nem para o relato biográfico, nem à história das ideias.

O autor se sente livre para criar conexões e construir redes que, em algum  momento, parecem ser o motor da descoberta, e, em outros, simples exercícios retóricos. Johnson espanta-se com o caráter multidisciplinar das revolucionárias descobertas do século 18, mas esquece que todos aqueles que se debruçavam sobre novos fenômenos eram filósofos da natureza, não físicos, químicos ou botânicos. E eram homens políticos num universo tomado por questões religiosas.

A invenção do ar, no entanto, possui o mérito de despertar a curiosidade do leitor para um dos grandes nomes da ciência e para aspectos da história que ficaram eclipsados pela Independência dos Estados Unidos e pela Revolução Francesa. Neste sentido, o livro não deixa de ser instigante.

A invenção do ar – uma saga de ciência, fé, revolução
e o nascimento dos Estados Unidos

Steven Johnson (trad.: Maria Luiza Borges)
Rio de Janeiro, 2009, Jorge Zahar
220 páginas – R$ 36,00
Tel.: (21) 2108-0808

Texto publicado originalmente no número 7 do Jornal de Resenhas

Henrique Lins de Barros
Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas