São várias as versões, mas a história é mais conhecida assim: em 1976, o escritor peruano Mario Vargas Llosa e o colombiano Gabriel García Márquez – até então bons amigos – encontram-se em uma pré-estreia cinematográfica no México. O colombiano, carinhoso, abre o peito para abraçar o companheiro. Toma como resposta um soco de Llosa, que o faz cair no chão.
O motivo do golpe? Ninguém sabe direito. Alguns dizem que Márquez encorajara a mulher do peruano a se separar dele, fato que irritou demais Llosa. Outros contam que Llosa tinha ciúme mortal da biografia do colombiano, que, dez anos antes, lançara Cem anos de solidão – um divisor de águas para o reconhecimento dos escritores latino-americanos na Europa e nos Estados Unidos.
Se a segunda opção estiver correta, Vargas Llosa finalmente pode ficar em paz. Hoje, dia 7 de outubro de 2010, o escritor recebeu um telefonema pela manhã com um aviso: assim como acontecera com seu ex-amigo colombiano em 1982, ele havia sido agraciado com o Nobel de Literatura.
O peruano, que atualmente mora em Nova York e dá aula na Universidade de Priceton, juntou-se a outros cinco escritores nascidos na América Latina que já ganharam o Nobel: além de Márquez, a chilena Gabriela Mistral (1945), o guatemalteco Miguel Ángel Asturias (1967), o também chileno Pablo Neruda (1971) e o mexicano Octavio Paz (1990) receberam a láurea.
A Academia Sueca, instituição que concedeu o Nobel de Literatura a Llosa, justificou o prêmio pela “cartografia das estruturas de poder” e “vigorosas imagens de resistência, revolta e derrota do indivíduo” presentes na obra do peruano.
“Acho que o prêmio foi merecido, pois Llosa tem uma obra literária ampla, que envolve tanto ficção quanto ensaios”, afirma Bernardo Ajzenberg, escritor, jornalista e tradutor do livro de ensaios Sabres & utopias, obra do peruano recém-lançada no Brasil.
Um escritor político
Jorge Mario Pedro Vargas Llosa nasceu em Arequipa (segunda maior cidade do Peru) em 1936. Sua obra conta com romances e contos, ensaios, peças de teatro e roteiros para cinema. Há tragédias e comédias nas linhas escritas por Llosa; histórias variadas, mas com um componente recorrente: a política. Sobretudo, a política na América Latina.
Seja no romance que o revelou ao mundo, A cidade dos cachorros (1962), seja na sua novela mais engraçada, Pantaleão e as visitadoras (1973), ou na sua versão da Guerra de Canudos, o documental (e fantasioso) A guerra do fim do mundo (1981), Llosa nunca se furtou a tratar dos rumos políticos e da democracia em seu continente.
Tido como liberal e de direita por muitos, o peruano, em 1990, chegou a concorrer à presidência do seu país. Perdeu para Alberto Fujimori.
A verdade é que o ganhador do Nobel de 2010 nem sempre combateu as políticas de esquerda. Era grande admirador, por exemplo, de Fidel Castro, com quem rompeu após se decepcionar com o regime imposto a Cuba, que chama até hoje de ditatorial.
Assista à propaganda política de Vargas Llosa
para a presidência do Peru, em 1990
Semana que vem: Llosa no Brasil
O peruano estará no país na semana que vem. Vai participar de um evento em Porto Alegre, agendado já há algum tempo. (Organizadores de sorte!) É o Fronteiras do Pensamento, que discute o caminho do mundo – nas ciências, artes, política etc. – no século 21. Llosa fala na próxima quinta-feira, dia 14.
“A aceitação de Vargas Llosa é universal, é um escritor que está acima de visões ou questões pessoais”, afirma Donaldo Schüler, escritor e doutor em Letras pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
Schüler – vencedor do Jabuti em 2004 pela tradução de Finnegans Wake, de James Joyce – faz parte do conselho acadêmico que escolheu os palestrantes do evento de Porto Alegre. Ele é contrário à polarização que coloca Llosa como partidário de pensamentos de direita.
“Llosa tem uma posição humanitária na defesa da liberdade de pensamento. Ele está inserido de forma serena entre a direita e a esquerda e procura um caminho político próprio”.
Para o tradutor Bernardo Ajzenberg, o engajamento do escritor peruano é bem-vindo para o debate. “Independentemente de concordamos ou não com as suas ideias, Llosa é um polemista muito útil na discussão democrática”, afirma.
“Seu texto tem uma fluência jornalistica. É claro, não é complexo. Ele atinge um grau de simplicidade que só se obtém com trabalho e conhecimento de texto”.
Sabres & utopias, o último livro de Llosa lançado no Brasil, traduzido por Ajzenberg, reúne textos de várias épocas da vida do escritor, organizados pelo antropólogo colombiano Carlos Granés. Artigos, claro, políticos.
“O texto de Vargas Llosa é muito claro na exposição de ideias. Ele não tem pudor ou medo de dizer exatamente o que pensa, mesmo que isso possa ir contra a corrente em vigor”, conta Ajzenberg, que ganhou este ano o Jabuti de tradução de uma obra em espanhol para o português (Purgatório, do escritor argentino Tomás Eloy Martínez).
Novo livro
Ano que vem, deve ser lançado no Brasil o novo livro de Llosa: O sonho do celta. A obra é baseada na vida do diplomata, nacionalista e humanista irlandês Roger Casement.
Pelo seu começo – que pode ser lido, em espanhol, aqui –, o livro promete, novamente, combatividade política. O que sugere que o punho do peruano continua desferindo fortes golpes (que o diga García Márquez).
Thiago Camelo
Ciência Hoje On-line
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