O sacrifício das células libidinosas

Nós não morremos simplesmente porque estamos vivos. Morremos porque fazemos sexo! Será possível? No livro Sexo e as origens da morte , William R. Clark, professor de imunologia da Universidade da Califórnia em Los Angeles, nos convence disso, com uma análise sobre a evolução da reprodução e da morte. E não adianta fazer abstinência, porque esse destino já está escrito em cada célula do corpo, nos nossos genes.

Com uma prosa leve e agradável, Clark nos conta que, durante a evolução, as células só passaram a morrer de morte morrida – e não matada – quando começaram a fazer sexo, o que pode ter sido “a perda definitiva da inocência”. A partir daí, seguem inúmeras explicações científicas (e quase filosóficas) sobre por que isso aconteceu.

O autor discute ainda a definição de vida e mostra como esse conceito pode ser questionado a partir de aspectos éticos e jurídicos da medicina moderna – como classificar, por exemplo, pessoas que permanecem em estado vegetativo, presas a aparelhos em camas de hospitais?

Clark nos convida para uma aventura por dentro do corpo, na qual conduz uma verdadeira aula interativa de biologia celular, imunologia e fisiologia. Dentro da célula, tocamos nos seus componentes e sentimos a textura da membrana. Vemos seu desespero em busca de energia, quando assassinada num ataque cardíaco. Depois, acompanhamos o resto desse corpo, que tem nome, sentimentos, mulher e filhos e entendemos por que a morte de poucas células provoca a das outras como um todo.

Em contraste, ele nos mostra a serenidade da morte espontânea. Vemos que esse “programa embutido de autodestruição” – a chamada apoptose – é necessário em vários casos, como na eliminação, pelo sistema imunológico, de células contaminadas e até dentro do útero, onde tínhamos membranas entre os dedos programadas para morrer e nos dar dedos separados.

As bactérias vivem para sempre, se tiverem comida e condições para se multiplicar. Mas elas não fazem sexo: simplesmente se dividem e formam duas filhas idênticas a ela. Cada célula do nosso corpo também não faz sexo para se multiplicar. Por serem parte de um único organismo, elas se dividem como as bactérias, mas morrem – com exceção das tumorais – porque, juntas, guardam os gametas (óvulos e espermatozóides) e trabalham para que o sexo aconteça.

Mas, afinal, se ele nos faz morrer, qual a vantagem de fazer sexo? Para além do prazer e do desejo, a resposta está na singularidade de cada um. Jogar os dados da variabilidade genética é tão importante que a evolução achou por bem priorizá-la em detrimento da nossa sobrevivência e, assim, nos forçar a reproduzir.

Ainda está difícil entender? Pois, no livro, está tudo explicado de forma clara e acessível a qualquer um que tenha alguma familiaridade com conceitos básicos de biologia (ou que esteja disposto a aprendê-los). William Clark mostra como todo o corpo se sacrifica para salvar os genes da nossa prole e, por meio deles, atingir uma imortalidade mais eficiente – pelo menos do ponto de vista evolutivo.

Sexo e as origens da morte vai além da idéia segundo a qual nossas células são máquinas que trabalham pela manutenção da vida. Nos faz enxergar cada uma delas como parte fundamental para a formação, não só do nosso corpo, mas do que entendemos como a nossa essência e personalidade. A morte simplesmente encerra o círculo da vida, no qual o sexo salva nossos genes, mas não nós. 
 

Sexo e as origens da morte
William R. Clark (trad.: Ryta Vinagre)
Rio de Janeiro, 2006, Record
Fone: (21) 2585-2000
204 páginas – R$ 35,90

Marina Verjovsky
Ciência Hoje On-line
31/05/2006