O samba da ciência louca

Uma série de conferências científicas que gerou, entre muitos desdobramentos, a criação da cibernética e pesquisas direcionadas ao controle da mente. Um gráfico da história da computação que vai desde o mecanismo de Anticítera até a telepatologia quântica. Tudo isso representado por meio de cartas de tarô e diagramas alquímicos e exposto no Museu de Ciência de Londres. Parece um festival de incongruências, mas trata-se da exposição Hexen 2.0, da artista Suzanne Treister, parte do programa de arte contemporânea do museu.

As referências são muitas: Google, Arpanet, H.P. Lovecraft, pesquisadores da Escola de Frankfurt, a filósofa Hannah Arendt, computação em nuvem…

O folheto da exposição a descreve como “um panorama crítico da história da ciência moderna” e “um gráfico da interação entre diversas áreas das ciências sociais e físicas no pós-Segunda Guerra Mundial”. Tal definição talvez ajude o visitante a construir sentido do caldeirão de referências reunidas por Treister, representadas em um estilo lisérgico que lembra as ilustrações da era hippie.

As referências são muitas, incluindo o Google, a Arpanet, H.P. Lovecraft, pesquisadores da Escola de Frankfurt, a filósofa Hannah Arendt, computação em nuvem, LSD, o Projeto Manhattan, Timothy Leary, órgãos nacionais de inteligência, ciberguerras e cogumelos, tanto alucinógenos quanto atômicos, só para citar algumas.

Todas elas, de alguma maneira, se relacionam à história recente da ciência, tendo como ponto focal uma série de conferências conhecida como The Macy Conferences, que ocorreu nos Estados Unidos entre os anos 1946 e 1953, com o objetivo de estabelecer “uma ciência dos funcionamentos da mente humana”. O evento reuniu cientistas de diversas áreas, como antropologia, matemática, ciências sociais, psicologia, neurologia, medicina, entre outras.

Exposição
As cartas pouco trivias do tarô inventado pela artista Suzanne Treister. (foto: divulgação)

Essas conferências ficaram conhecidas por terem sido a semente do desenvolvimento da cibernética. Mas entre seus muitos desdobramentos estão também projetos hoje considerados inaceitáveis como o MKUltra, desenvolvido pelo governo dos Estados Unidos e que tinha como objetivo estudar o controle da mente por meio de, entre outras técnicas, drogas psicodélicas administradas sem o conhecimento das ‘cobaias’.

Suzanne Treister apresenta um painel com fotografias manipuladas dos participantes das Macy Conferences, entre os quais o psiquiatra William Ross Ashby, o antropólogo Gregory Bateson, o matemático Norbert Wiener e a antropóloga Margaret Mead.

Há também uma montagem que mostra os mesmos cientistas dispostos em círculo ao redor de uma mesa, em uma suposta sessão espírita. “Se você nunca tinha ouvido falar nas Macy Conferences, agora vai se interessar”, observou a diretora do projeto de artes do museu Hannah Redler, no lançamento da exposição no início do mês.

Futuros alternativos

As conferências, assim como o MKUltra, a história da internet e outros assuntos estão esquematizados em grandes diagramas que relacionam, por exemplo, o surgimento da cibernética com a ficção científica, os filósofos sociais da Escola de Frankfurt  e o neo-ludita Unabomber. Os diagramas seguem a estrutura daqueles utilizados nos textos ocultistas de alquimia.

Tarô
Na exposição, inteligência artificial e computação quântica são a carta Estrela do tarô. (foto: divulgação)

A artista Suzanne Treister explica que espera levar o público a “uma visão mais ampla da interação das ciências com a área cultural, política, militar e social” e que decidiu mostrar esses assuntos através da “lente da alquimia e do oculto” para que as pessoas usem as peças da exposição como “ferramentas para vislumbrar futuros alternativos”.

Falando em futuro, outro destaque da exposição é um baralho de tarô, completo, com 78 cartas. Cada uma faz referência a um aspecto da história recente da ciência e tecnologia, abordando resultados bons, ruins ou simplesmente desviantes da pesquisa científica.

Em seu baralho estão, por exemplo, Timothy Leary como Mago; o Google como cinco de espadas; Diógenes de Sínope como Imperador; Margaret Mead e Gregory Bateson como Amantes; a Arpanet, que deu origem à internet, como Temperança; o cientista John von Neumann, fundador da teoria dos jogos e membro do Projeto Manhattan – responsável pela bomba atômica –, como a Morte.

Apesar de ser uma faceta menos conhecida do tradicional museu de ciência, o programa de arte contemporânea existe há 15 anos, organizando tanto exposições centradas em um tema ou artista, como é o caso de Hexen 2.0, quanto integrando peças de arte que tratem de ciência e tecnologia como parte de outras galerias. A exposição da artista Suzanne Treister fica em cartaz até 30 de abril.

Visite a página da exposição Hexen 2.0 para ver mais obras.

Barbara Axt
Especial para Ciência Hoje On-line/ Londres