O verde como bandeira

 

Pela primeira vez uma mulher africana irá receber o prêmio Nobel da paz. A escolha reconhece a contribuição da ambientalista queniana Wangari Maathai para o desenvolvimento sustentável e seu esforço pelo fortalecimento da democracia. Nascida em 1940, ela combateu o antigo regime totalitário do Quênia, defendeu os direitos humanos e encorajou suas conterrâneas a lutar pela melhoria das condições de vida.

 

Ao anunciar a premiação na manhã desta sexta-feira, 8 de outubro, o comitê norueguês do Nobel afirmou que “a paz na Terra depende também de nossa habilidade para garantir o vigor do meio ambiente”. Se é assim, então o prêmio é justo.

Maathai fundou o Green Belt Movement [Movimento Cinturão Verde] em 1977, por meio do qual mobilizou mulheres pobres a replantar árvores em áreas desmatadas de seu país para evitar o processo de desertificação. Cerca de 30 milhões de mudas já foram plantadas até agora, e seus métodos têm sido adotados em outros países, principalmente africanos, com a mesma finalidade.

Mestre pela Universidade de Pittsburgh (EUA) e Ph.D pela Universidade de Nairóbi, onde ensinou anatomia veterinária, Maathai combina ciência, atuação política e militância ambiental para lutar em favor da educação e do planejamento familiar, e contra a fome e a corrupção no Quênia.

O zoólogo e ambientalista Angelo Machado, professor da Universidade Federal de Minas Gerais e presidente da ONG Conservação Internacional — Brasil, se disse surpreso com a decisão do comitê norueguês de destinar o Nobel da paz a uma pessoa que se destaca pelo ativismo ambiental. Em geral o prêmio vai para quem se dedica essencialmente à militância política, observou Machado. O fato de ter ido agora para Wangari Maathai, essencialmente ambientalista, é motivo de alegria para todos que militam em favor da conservação da natureza.

O jornalista e professor André Trigueiro, pós-graduado em Gestão Ambiental pela Coordenação de Programas de Pós-graduação em Engenharia (Coppe), da Universidade Federal do Rio de Janeiro, se disse feliz com a premiação de Wangari Maathai, uma vez que a escolha revela um ponto de vista sutil: o cuidado com o meio ambiente é uma arma a favor da paz.

Trigueiro afirma que o Movimento Cinturão Verde, além de recompor áreas desmatadas, gera emprego para milhares de mulheres pobres. “Isso dignifica o grupo humano mais discriminado do planeta: a mulher negra e pobre”, disse. A seu ver, onde há miséria, não há paz. O jornalista lembrou que na África a pobreza causada pelo desmatamento força migrações, um problema que gera conflitos étnicos e incha as grandes cidades, provocando fome e violência.

Um relatório da ONU de 1989 mostrou que para cada 9 árvores plantadas na África, 100 eram derrubadas. A falta de infra-estrutura energética no continente (eletricidade, gás e outros combustíveis) torna a lenha essencial para que as pessoas cozinhem, iluminem suas casas e se aqueçam. “Isso acelera o desmatamento”, lembra Trigueiro, que editou e é um dos autores do livro Meio Ambiente no século 21 aí a importância vital de um movimento como o Cinturão Verde, lançado por Maathai.”

Aline Gatto Boueri
Ciência Hoje On-line
08/10/04