Onda no YouTube

Antes de tudo, veja por favor o vídeo abaixo.

 

 

Agora, a questão: como uma imagem de um jovem esborrachado no chão, debatendo-se e sem controle, rindo de um jeito quase louco, pode ajudar um cientista? A resposta “não pode” é presumível, mas não foi o que pensaram estudiosos da área de saúde pública da Universidade Estadual de San Diego, conforme relata uma reportagem publicada hoje no portal da revista The Scientist.

Em estudo coordenado pelo psicólogo James Lange, os pesquisadores usaram justamente os vídeos do YouTube para observar os efeitos sobre os usuários da sálvia – mais precisamente da Salvia divinorum, uma entre as milhares de espécies que existem da erva, geralmente usada como tempero.

A sálvia é consumida para fins recreativos por ter efeito alucionógeno

A especificidade da Salvia divinorum: ela pode causar o efeito que o garotão do vídeo aí em cima está experimentando.

Febre entre os jovens norte-americanos há cerca de três anos, justamente por ser permitida na maioria dos estados de lá, a erva é tida como a ‘maconha legal‘. Geralmente, é consumida por meio de cachimbos, sejam os fabricados ou os artesanais. 

Trabalho de campo, no YouTube

As reações dos jovens nos vídeos são tão alucinadas, que os realizadores do estudo viram ali a possibilidade de compreender o que a droga causa nas pessoas. E melhor: no estado e ambiente naturais do usuário. 

Mas há o ônus de se estudar as imagens da internet. Segundo os pesquisadores, o fato de não haver um grupo de controle (pessoas que não usaram a droga) como fonte de comparação é um problema.

É provável que apenas as experiências bem-sucedidas com a droga tenham sido registradas no portal

Outro fator que atrapalha: é bem provável que apenas as experiências bem-sucedidas com a droga tenham sido registradas no portal. Ou seja, possíveis bad trips – ‘viagens ruins’ – não foram publicadas e não puderam ser levadas em conta pelos pesquisadores.

De todo modo, são milhares de vídeos no YouTube – mais de 7 mil resultados são listados em uma pesquisa pelo termo “salvia”. Amostras grandes o bastante para ajudar os cientistas a estudar os efeitos da erva.

Uma curiosidade: em geral, o tempo máximo de um vídeo no YouTube (dez minutos) poderia ser mais um obstáculo para a pesquisa. No caso da sálvia, no entanto, é o tempo ideal, já que o efeito alucinógeno é quase instantâneo e costuma durar – no máximo – oito minutos. A droga ‘perfeita’ para o YouTube.

Reações físicas

Ao observar 34 vídeos, os estudiosos conseguiram anotar algumas reações físicas causadas pelo efeito alucinógeno da erva, relatados por eles em artigo publicado no início de abril no periódico Drug and Alcohol Dependence. Entre os efeitos observados, eles apontam contrações musculares, risos incontroláveis, problemas de fala. Tudo isso despertado em menos de 30 segundos.

Os vídeos permitem monitorar a reação humana ao consumo da droga sem a interferência dos observadores

Para os pesquisadores, os vídeos configuram uma ocasião única para monitorar a reação humana ao consumo da droga sem a interferência dos observadores.

O relato de uma ‘viagem’ por um usuário ou mesmo o monitoramento do consumo da droga em condições de laboratório dificilmente permitiriam resultados tão autênticos.

Como surgiu a ideia de usar o YouTube na pesquisa? Boa questão, que Jason Daniel, um dos idealizadores do trabalho, respondeu – sucintamente – à The Scientist:  “Gosto da ideia de usar as tecnologias existentes para conduzir pesquisas originais e interessantes.”

No Brasil

O consumo da sálvia para fins recreativos também é difundido no Brasil. Por aqui, assim como na maioria dos países, o cultivo, a posse e o consumo de Salvia divinorum são considerados legais. Entre os milhares de vídeos de consumo da erva no YouTube, muitos são de brasileiros

Abaixo, assista a uma boa reportagem do New York Times (em inglês) sobre a febre dos vídeos de sálvia publicados no YouTube. Leia também uma matéria (no mesmo jornal) que mostra os efeitos medicinais da erva no tratamento de dores e depressão.

 


Thiago Camelo
Ciência Hoje On-line