A situação não está nada fácil para o financiamento da ciência no Brasil. Além dos cortes no orçamento do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação do início do ano, recentemente houve o anúncio de mais um possível corte na verba do Ministério para 2016, que pode chegar a mais de 35% do total destinado à pasta. Assim como não é possível fazer ciência de qualidade sem verba, também não há como fazer divulgação científica sem dinheiro. Então, como a falta de dinheiro poderia ajudar a comunicação com um público mais amplo?
Um caminho interessante e já explorado por alguns grupos de pesquisa brasileiros é o crowdfunding ou financiamento coletivo. Em vez de seguir o ritual tradicional de pedido de financiamento de suas pesquisas – escrever um projeto e submeter a uma agência de fomento –, qualquer cientista pode solicitar apoio diretamente ao público. Isso representa, obviamente, um caminho para conseguir verbas, mas vai além. Embora juntar dinheiro continue sendo a meta principal, um dos impactos mais relevantes de uma campanha bem planejada é convencer o público de que certo projeto é importante e merece apoio.
Há uma trajetória específica a percorrer para conseguir isso. Na hora de criar uma campanha de arrecadação, a primeira pergunta a responder é: “Como vou conseguir fazer as pessoas entenderem o que eu faço?” Esta é uma questão secundária na submissão de projetos a agências de fomento – onde serão avaliados por outros cientistas conhecedores da área –, mas fundamental numa proposta de financiamento coletivo.
Todo cientista deveria saber que é essencial tirar o conhecimento científico de dentro das universidades e divulgá-lo à população. Seguindo a lógica do financiamento tradicional da ciência, esse seria o último passo de um longo caminho: em geral, o cientista primeiro divulga seus dados em periódicos científicos especializados, e só depois pensa em como conseguirá tempo, dinheiro e motivação para divulgar sua pesquisa para o público em geral.
No financiamento coletivo de ciência, acontece o oposto: a pesquisa só se concretiza se for, primeiro, bem divulgada. Nesse caso, a divulgação científica permeia toda as etapas do processo de geração do conhecimento, desde a escolha do projeto, até a publicação final dos dados. Os projetos mais interessantes envolvem a criação de uma boa campanha, metas e, claro, a recompensa para os investidores. É desejável que o cientista converse com o público em cada etapa do projeto – assim, os financiadores acompanham em tempo real como a ciência é produzida.
Parece muito trabalhoso, e é mesmo. Mas pode trazer bons resultados.
Para ir atrás do público
Alguns argumentariam que é mais fácil conseguir apoio do público em projetos mais “carismáticos” como a preservação de bichos cativantes – pandas ou golfinhos, por exemplo. Mas não é só pesquisa com esses animais que é contemplada com o financiamento coletivo. Uma das campanhas de maior sucesso no Brasil foi a do mexilhão-dourado, um molusco nada fofo. A criatividade e qualidade de texto, vídeo e todo material da campanha foram importantes para que a meta fosse atingida.
Outro projeto brasileiro que está longe dos bichos fofos foi criado pelo laboratório de Ecologia Quantitativa da Universidade Federal de Alagoas. A campanha “Ciência livre: ecologia e bioestatística para todos!”, com o objetivo de comprar equipamentos e desenvolver materiais didáticos e de divulgação sobre o tema, teve um total de 159 apoios e 79% da meta atingida, o que é surpreendente para um assunto tão específico.
Mas não é só a escolha do tema que tira o escorpião do bolso dos financiadores. Em artigo publicado em 2014 no periódico PLoS One, um grupo de cientistas analisou 159 projetos de ciência publicados na plataforma de crowdfunding Rockethub e a principal conclusão foi que a conquista do engajamento é a chave das campanhas de sucesso.
Para engajar pessoas, não basta um bom texto e vídeo no site do projeto. Participação ativa nas redes sociais, em grupos de emails e busca de contatos na imprensa são fatores de extrema relevância. Outros fatores que foram considerados potencialmente importantes pelos autores do artigo são envolvimento com museus e centros de ciência, realização de palestras públicas, artigos para jornais e criação de blogues e canais de vídeo. Tudo isso ajuda a criar uma verdadeira base de fãs, que será responsável tanto por ajudar diretamente no financiamento do projeto como por espalhar para amigos, familiares e centenas de contatos virtuais como a sua pesquisa é interessante e relevante.
Alguns exemplos concretos mostram também que o público pode contribuir para a ciência com bem mais que uma contribuição financeira. Um dos primeiros projetos de crowfunding de ciência no Brasil não foi criado por um cientista, e sim por três adolescentes do interior de Santa Catarina. Ao descobrirem que a cidade onde vivem estava em uma boa região para estudar a influência do Sol no campo magnético da Terra, resolveram mandar um projeto para a Nasa. Ganharam um radiotelescópio, mas não tinham dinheiro para pagar os impostos do equipamento – entrou aí o financiamento coletivo. O projeto Alexa fez sucesso e atingiu mais que o dobro de sua meta original.
O recente projeto do grupo Protomatos foi outra iniciativa bem sucedida. Pessoas de todo o país ajudaram a pagar os custos de compra de material e da viagem de um grupo interdisciplinar de alunos da Universidade de São Paulo para participar de uma competição internacional de biologia sintética.
Relatório independente de impacto ambiental causado pelo rompimento das barragens de Fundão e Santarém (Mariana, MG)
(até 13/12/2015)
Projeto Salivar
(até 18/01/2016)
Ajude a não interromper a pesquisa sobre a qualidade das águas na Baía de Guanabara
(até 16/12/2015)
MDMA no consultório
(até 21/12/2015)
Controle de qualidade
Uma das principais críticas a essa forma de se financiar ciência é que ela não garante a validade científica dos projetos. Como não há um sistema de revisão por pares, algumas iniciativas baseadas em ideias controversas podem ser financiadas, o que seria mais difícil em agências de fomento tradicionais. Plataformas de crowdfunding específicas para projetos de ciência como o Experiment estão tentando novas formas de atacar esse problema, compondo uma espécie de banca formada por especialistas na área de conhecimento do projeto para autorizar sua publicação na plataforma. O cientista precisa também provar que tem capacidade e recursos além do financiamento coletivo para realizar de forma efetiva o projeto.
Projetos financiados por crowdfunding que acabam não virando realidade também podem se tornar uma preocupação, principalmente na modalidade “flexível”, onde, mesmo não atingindo a meta de orçamento, o responsável pelo projeto fica com o dinheiro doado. Várias campanhas recentes tiveram problemas dessa linha e uma das grandes plataformas de crowdfunding se pronunciou sobre o tema.
Embora o crowdfunding sozinho não possa financiar a ciência de um país, em uma situação de crise, qualquer aumento de caixa por um caminho novo pode ajudar. Acredito que a comunidade científica brasileira tem muito a ganhar se agarrar essa possibilidade não só de conseguir verba, mas de envolver o público em seus projetos. Como disse o biólogo Jai Ranganathan, cofundador do portal #SciFund Challenge, “um mundo com cientistas mais próximos da sociedade seria melhor. E o financiamento coletivo pode nos ajudar a conseguir isso”.
Luiz Bento
Museu Ciência e Vida
Fundação Centro de Ciências e Educação Superior a Distância do Estado do Rio de Janeiro (Cecierj)
Autor do blogue Discutindo ecologia