Os prismas da identidade

É possível que um povo mantenha sua identidade étnica e cultural em um mundo globalizado como o atual? Foi essa pergunta que o antropólogo Roberto Cardoso de Oliveira procurou responder ao longo dos seus 40 anos de pesquisa. Agora, por meio de quatro textos do pesquisador sobre o tema e dois ensaios que tratam da própria antropologia, o livro Caminhos da identidade – ensaios sobre etnicidade e multiculturalismo convida o leitor a um passeio pela memória e pelas pesquisas do antropólogo, falecido em julho de 2006.

RCO, como era chamado por alunos e amigos, iniciou suas pesquisas etnográficas na década de 1950 com os índios Terena, do atual Mato Grosso do Sul. O antropólogo inovou na pesquisa antropológica brasileira ao estudar o índio através do próprio olhar indígena e não do ponto de vista “branco”. Defendeu, contra a idéia dominante na época, que o destino dos índios não era necessariamente a assimilação pela cultura branca. Foi então que Oliveira se deparou com a questão da identidade, que nunca foi abandonada em seu trabalho.

Os ensaios reunidos no livro, escritos por Oliveira ao longo de sua carreira e revisados pelo autor para compor a obra, apresentam um panorama de seu trabalho e o desenvolvimento do conceito de identidade através de suas pesquisas. Os quatro capítulos trazem diferentes aspectos que compõem a questão identitária, e em todos está presente a associação entre identidade, cultura, etnia e moral. Os dois ensaios anexos tratam da importância do exercício da comparação na antropologia social e da relação entre antropologia e ética.

No livro, o autor relaciona as noções de identidade, reconhecimento, cultura e moral. Segundo ele, uma etnia deve ser reconhecida por outros povos e, para isso, é necessário um auto-reconhecimento. Esse reconhecimento da identidade étnica deve ser sustentado não apenas por argumentos políticos, mas também de ordem moral, que surgem com a descoberta do auto-respeito.

O antropólogo destaca também a ambigüidade presente na identidade étnica: sua relação consigo mesma e, ao mesmo tempo, sua interação com outros. Oliveira apresenta uma série de cenários onde existe essa relação entre o nós e os outros , como a vida de imigrantes brasileiros residentes nos Estados Unidos, a situação dos catalães na Espanha e as interações nas fronteiras entre países.

As teorias expostas na obra são acompanhadas de casos empíricos, estudados por Oliveira ou por outros autores, o que transfere a questão identitária da esfera teórica para a realidade. A partir desses exemplos, o antropólogo consegue montar um panorama de sua pesquisa, seguindo a idéia do antropólogo belga Claude Lévi-Strauss (1908-) de que “um estudo particular pode ter alcance geral”.

Dessa forma, Caminhos da identidade dá conta de apresentar ao leitor os diferentes prismas da questão identitária. Apesar da linguagem acadêmica e do tema complexo, a estrutura do livro e os exemplos dados permitem que ele se torne uma leitura agradável e descomplicada. O leitor consegue acompanhar o raciocínio do autor e chegar, junto com ele, à conclusão de que “mesmo num mundo globalizado, sempre haverá espaço para a diversidade étnica e cultural”. 

Caminhos da identidade –
ensaios sobre etnicidade e multiculturalismo
Roberto Cardoso de Oliveira
São Paulo, Editora Unesp; Brasília, Paralelo 15; 2006
Tel.: (11) 3242-7171
258 páginas – R$ 37,00

Bárbara Skaba
Especial para Ciência Hoje On-line
26/02/2007