Os trunfos da química

Quando viajei para Lindau, na Alemanha, para cobrir o 63º Encontro de Prêmios Nobel, a última coisa que esperava era ganhar um jogo – muito menos um que me remetesse a minha infância. Mas foi exatamente isso o que aconteceu durante um evento de confraternização no segundo dia do encontro, em 2 de julho último.

Naquela noite, a organização do evento realizou um churrasco chamado Grill & Chill (algo como ‘grelhar & relaxar’) no parque Toskana, que fica próximo ao local das palestras, para que os prêmios Nobel e os pesquisadores que participavam do encontro pudessem confraternizar com os habitantes de Lindau. Infelizmente, quando cheguei, junto com outros jornalistas, a carne já tinha acabado, mas ficamos por lá comendo doces e pão com nozes.

As cartas continham nomes de elementos químicos e uma série de características, como raio atômico e quantidade de resultados na busca do Google, seguidas de valores numéricos

Foi então que duas jovens da cidade, a jornalista Janka Kreissl e a funcionária pública Julia Genth, se aproximaram e perguntaram se queríamos conhecer um novo jogo. Diante da nossa afirmativa, elas prontamente sacaram pequenos baralhos de sua bolsa e começaram a explicar as regras.

As cartas continham nomes de elementos químicos e uma série de características, como raio atômico e quantidade de resultados na busca do Google, seguidas de valores numéricos. Imediatamente reconheci o formato como sendo o mesmo do Super Trunfo, jogo de cartas que fez sucesso na minha infância.

As regras eram as mesmas: tentar tomar as cartas dos outros em uma espécie de batalha definida pelo valor atribuído a uma característica, escolhida pelo jogador que está no comando naquela rodada (aquele que venceu o round anterior). Quem tiver o valor do trunfo maior leva as cartas. Apesar da minha familiaridade com o Super Trunfo, perdi o jogo para a maledetta jornalista italiana Silvia Bencivelli.

Mas ganhei um baralho, apesar da derrota.

Investindo na diversão

Assim como eu, você pode estar se perguntando de onde surgiu a ideia do jogo. Kreissl e Genth levam a sério a proposta de confraternização com os participantes do encontro e decidiram criar um jogo com a mesma temática do evento, química, e optaram pelo estilo do Super Trunfo porque ele é bastante conhecido na Alemanha (lá se chama Supertrumpf).

Parque Toskana
O parque Toskana, em Lindau (Alemanha), sediou o churrasco de confraternização entre os participantes do 63º Encontro de Prêmios Nobel e os habitantes da cidade. (foto: Hinnerk Feldwisch-Dentrup)

No entanto, nenhuma das duas sabia muito sobre química. “Falamos com um amigo de um amigo, que nos ajudou a escolher os elementos. Compilamos tudo, mudamos as categorias diversas vezes, pesquisamos os valores e, depois de algumas horas de trabalho noturno, terminamos tudo”, conta a jornalista.

O jogo foi um sucesso, tanto para quem as cartas eram uma novidade quanto para os que já conheciam o Super Trunfo

Mas restava imprimir os 30 baralhos e as duas queriam que a qualidade do produto fosse boa, porque a ideia era presentear os jogadores com eles. Kreissl então vendeu algumas roupas e joias num mercado de pulgas local para financiar a impressão. “Não ganhamos dinheiro com isso, só gastamos”, comenta ela com humor.

O jogo foi um sucesso, tanto para quem as cartas eram uma novidade quanto para os que já conheciam o Super Trunfo, como eu. Kreissl e Genth só ficaram decepcionadas porque não conseguiram que um prêmio Nobel experimentasse o super trunfo de química. “Culpo a chuva, que fez muita gente ir embora cedo”, observa a jovem.

Fórmula da felicidade e sorte infinitas

Essa não foi a primeira vez que as duas alemãs fizeram uma intervenção no Grill & Chill. De fato, foi o sucesso no último encontro que motivou Kreissl e Genth a investir nessa segunda empreitada.

“No ano passado, pensamos que seria legal fazer algo para conhecer gente nova, então criamos um questionário com perguntas do tipo: ‘quantas pessoas têm que nadar no lago Constance ao mesmo tempo para fazer seu nível subir 1 cm?’ ou ‘qual a fórmula para a felicidade e sorte infinitas?’”, conta a jornalista.

Elas ‘aplicaram’ o questionário a diversas pessoas no churrasco, incluindo o químico israelense Dan Shechtman, prêmio Nobel de Química de 2011. “Foi muito legal! As pessoas se divertiram à beça tentando chegar a respostas junto com seus grupos”, lembra Kressl. “Ficamos tão entusiasmadas que resolvemos repetir a dose este ano.”

No jogo do ano passado, os participantes ganhavam souvenirs de Lindau. Este ano, recebiam um baralho ou um cartão postal que seria enviado pelas duas. Kressl diz que não pensaram em vender seu jogo. “Usamos imagens obtidas na internet, então acho que não seria legal. Além disso, não fazemos isso por dinheiro. Queremos nos divertir e conhecer pessoas interessantes.”

Fred Furtado*
Ciência Hoje/ RJ

* O jornalista viajou a Lindau a convite da organização do evento.