Almoço de domingo, família reunida e a pergunta de sempre. “Mas afinal, sobre o que é a sua pesquisa?”. Após dez minutos de explicação, o silêncio denuncia: nem sempre é fácil traduzir a atividade científica em poucas palavras. A cena, quase uma anedota entre pesquisadores, não vai mais se repetir para os cinco finalistas da terceira edição do Euraxess Science Slam Brazil. A final do concurso de comunicação científica, realizada na última sexta-feira, teve candidatos inspirados pelo desafio de falar sobre ciência de forma lúdica, criativa e divertida.
Selecionados após o envio de um vídeo com o resumo de suas pesquisas, os pesquisadores concorreram a uma viagem à Europa para a realização de um curso de comunicação científica e visita a um instituto de pesquisa de livre escolha. Na decisão, Leonardo Parreira, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), conquistou a vitória ao apostar no humor para explicar um tema espinhoso: a eficácia de um tratamento com castanha-do-pará para reduzir os danos aos testículos provocados pela ciclofosfamida, substância presente em medicamentos contra o câncer.
“Durante o tratamento, a ciclofosfamida aumenta muito os radicais livres, que oxidam os tecidos. O que acontece é uma destruição nas células dos testículos, que passam a não funcionar como deveriam”, explica o pesquisador, doutorando em Ciências da Saúde. Como a castanha-do-pará é considerada o alimento mais rico do mundo em selênio, uma substância antioxidante, surgiu a ideia de testar a ação da oleaginosa contra o problema.
Após testes com ratos, a pesquisa de Parreira, ainda em curso, indicou que o tratamento com castanha-do-pará combinada à vitamina E e a ácidos graxos que potencializam o efeito do selênio reduziu consideravelmente os radicais livres no organismo dos roedores. Durante a exposição, que teve referências à cultura pop, como a série Game of Thrones e a invenção do super-herói “Castanha man”, o estudante apresentou uma encenação com um colega fantasiado como testículo para mostrar os problemas que o órgão pode ter.
“Acho fundamental trabalhar com o humor. A pessoa fica mais leve e disposta a aprender. Se eu fosse apresentar como faria diante de uma banca, seria maçante. Até o nome da minha pesquisa é chato”, diz Parreira.
Defensor da popularização da ciência, o estudante criou com outros dois colegas o grupo Gatu, cujo nome deriva da palavra tupi nheengatu, que significa “língua fácil de ser entendida”. A iniciativa para tornar pesquisas científicas acessíveis aos leigos rendeu frutos, já que a vencedora de 2014 do concurso, Vanessa Cardoso, também fazia parte da equipe quando foi premiada. “Temos que aprender a traduzir a complexidade das pesquisas. A população financia o nosso trabalho e deve ter acesso às informações”, lembra Cardoso, que apresentou o prêmio deste ano.
A final do Euraxess Science Slam Brazil 2015 também contou com pinturas para reproduzir um trabalho sobre o uso de DNA mitocondrial no rastreamento de filhotes híbridos de tartarugas e até um grão de poeira falante. “Esse desafio é muito legal porque ajuda o pesquisador a aprender a falar com o público. Agora posso explicar minha pesquisa até para as crianças”, comemorou o astrofísico Fellipy Dias Silva, da Universidade de São Paulo, que apresentou trabalho sobre os efeitos da poeira sobre os modelos de população estelar.
A cereja no bolo ficou por conta da participação da neurocientista Suzana Herculano-Houzel, da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Com uma longa trajetória na divulgação científica, ela aceitou o desafio do concurso e apresentou sua nova teoria sobre o processo de formação das dobraduras do cérebro em dez minutos, como os outros candidatos, arrancando aplausos do auditório lotado.
Além do Brasil, o Euraxess, programa criado pela Comissão Europeia para incentivar a mobilidade de pesquisadores dentro e fora da Europa, organiza o Science Slam em outros países, como Estados Unidos, Japão, China e Índia. “O evento brasileiro é o que recebe mais candidaturas, este ano foram 45”, revela a representante da Euraxess, Charlotte Grawitz. “Também ficamos impressionados porque muitos deles já estão trabalhando com divulgação científica. Isso mostra que os brasileiros estão entendendo a importância de levar a ciência a um público mais amplo”, festeja Grawitz.
Simone Evangelista
Especial para a CH On-line